Poucas horas após o atentado terrorista que matou doze pessoas na Redação do semanário francês Charlie Hebdo, o slogan “Je Suis Charlie” (Eu Sou Charlie) espalhou-se pelo planeta, tornando-se a principal homenagem aos jornalistas e cartunistas assassinados. Como hashtag, no Twitter, foi utilizado mais de 6.500 vezes por minuto. Nas manifestações, estampou cartazes e camisetas. Também apareceu reproduzido em letreiros luminosos de pontos turísticos de diversas capitais.
Além disso, suscitou reações contrárias, com sua negativa, “Je ne Suis pas Charlie” (Eu não Sou Charlie), sendo usada pelos que discordam da linha editorial escrachada do jornal.
A repercussão causou uma reviravolta na rotina de seu criador, o jornalista francês Joachim Roncin, 39. Sites, jornais e revistas estão loucos para ouvi-lo, e empresas sugeriram a ele lucrar com o trabalho. “Isso me dá nojo”, disse Roncin à Folha.
“Essa frase não pertence mais a mim. Não quero ganhar nenhum dinheiro com ela. Dezenas de websites estão vendendo o slogan e acho isso horrível. Os Repórteres Sem Fronteira me pediram permissão para usá-lo em camisetas, cuja renda será revertida para o Charlie Hebdo. Para mim, esse é o único objetivo justificável.”
Assim como seus colegas do Charlie Hebdo, na última quarta (7/1), Roncin estava na reunião de pauta da revista semanal na qual é diretor de arte, a Stylist, quando um amigo lhe mandou uma mensagem no celular relatando que havia ocorrido um ataque contra a Redação do humorístico. “Paramos tudo e fomos para as redes sociais tentar entender o que estava acontecendo”, descreve.
“Não sabíamos quem nem quantos tinham morrido. Quando as notícias começaram a chegar, ficamos em choque. Em instantes, as pessoas passaram a manifestar toda a sua raiva e tristeza e percebemos que nós também tínhamos de postar algo, mas o quê? Não havia nada a dizer. Tudo aquilo era horrível.”
Mesmo sem conhecer pessoalmente nenhum dos assassinados, Roncin conta ter ficado muito tocado.
“O Charlie Hebdo é um clássico. Eu não o lia, mas desde criança acompanhava os trabalhos de [Jean] Cabut, que estava sempre na TV, desenhando em programas infantis. Esse ataque matou parte de minha juventude.”
Inspiração
Desenvolvedor de conceitos visuais, Roncin concentrou-se no logotipo do jornal Charlie Hebdo para se inspirar para a homenagem.
“Naquele momento, não tinha palavras. Sentia como se os terroristas tivessem atirado em mim. Então, escrevi ‘eu sou’ e juntei ao logo do jornal. Antes de publicar, mostrei a um colega, para checar se ele achava que as pessoas iam entender minha intenção por trás da imagem. Ele me disse: ‘Ok, está legal’.”
Roncin postou o slogan para seus 400 seguidores no Twitter – número insignificante em se tratando de redes sociais. Minutos depois, os amigos passaram a repercutir seu tuíte.
“Em instantes, as coisas enlouqueceram. Uma amiga, Valérie Nataf, jornalista famosa [do canal de TV TF1], me ligou e perguntou: ‘Por que você fez isso? Acho que essa imagem é perfeita. É exatamente o que estamos sentindo’”, relembra Roncin.
Nataf republicou o tuíte para seus 24 mil seguidores, que incluem outras personalidades com tantos milhares de acompanhantes como ela.
A onda estava formada.
Em algumas horas, o slogan propagou-se.
“As pessoas começaram a me telefonar para perguntar por que tinha feito aquilo, mas eu não tinha o que responder. Foi de maneira totalmente inocente. Em nenhum segundo pensei: ‘Ah, isso vai se tornar grande’”, diz.
“Foi um jeito de representar o que estava sentindo. As redes sociais criaram essa comoção. Acho excelente que as pessoas tenham entendido o que eu quis dizer.”
Na próxima semana, Roncin prestará seu segundo tributo aos colegas assassinados: a capa da Stylist será preta, sem nenhuma imagem.
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Adriana Ferreira Silva, para a Folha de S.Paulo, em Paris