Manhã de domingo [11/1]. A notícia mais chocante deste final da semana do terror que abalou o mundo não vem de Paris.
Vem de Maidiguri, cidade do nordeste da Nigéria, e está escondida no pé da página A14 da Folha, sob o título “Menina-bomba mata 20 em ataque na Nigéria – Suspeita recai sobre grupo islâmico Boko Haram, que já causou mais de 13 mil mortes” e, recentemente, sequestrou mais de 200 meninas numa escola.
A matéria tem a assinatura anônima “Das agências de notícias” e não vem acompanhada de análises de especialistas sobre o atentado suicida provocado por uma menina de 10 anos num mercado lotado, que deixou 20 mortos, incluindo a criança, e 18 feridos.
Por uma trágica coincidência, é o mesmo número de mortes causadas em Paris nos ataques de três terroristas franco-argelinos contra o semanário “Charlie Hebdo” e um mercado judaico na região leste da cidade.
Sobre este assunto já foram publicadas no mundo inteiro milhares de análises indignadas e definitivas feitas por jornalistas, professores e estudiosos das relações internacionais, tentando explicar as causas e consequências destes atos terroristas, o que me dispensa de fazê-lo.
Nesta segunda década do século 21 no mundo globalizado, o que aconteceu esta semana em Paris é algo que foge à minha compreensão e ultrapassa de longe os limites dos meus parcos conhecimentos sobre a relação entre o fanatismo religioso, a política internacional, a liberdade de expressão, a xenofobia, a indústria de armas e os rumos da humanidade.
“O mundo tá dodói”, resumiu um amigo, tão perplexo quanto eu diante das imagens e comentários que se repetiam sem parar na televisão ao longo dos últimos cinco dias. Já não deveria, a esta altura da vida, me assustar com mais nada, pois vivo num país em que seis pessoas, em sua maioria negros, são assassinadas por hora (foram mais de 53 mil mortes violentas em 2013).
Hoje, em Paris, mais de um milhão de pessoas deverão participar da “Marcha Republicana” no protesto contra os atentados atribuídos a radicais islâmicos, em ato oficial do governo francês, que contará com a presença de chefes de governo e de estado da Alemanha, Itália, Rússia, Espanha e do Reino Unidos, entre outras nações.
O que me deixa intrigado como cidadão do mundo é esta reação seletiva entre o que aconteceu em Paris e os fatos de Maiduguri, que se repetem todos os dias na Nigéria, em vastas regiões da África e do Oriente Médio, sem que ninguém saia às ruas para condenar as guerras e pedir paz, com a honrosa exceção do papa Francisco.
Para mim, uma vida é uma vida é uma vida, todas têm o mesmo valor. Podem existir vivos de primeira ou segunda classe, mais ou menos importantes e simbólicos, mas os mortos são todos iguais. E é por todos eles que devemos chorar.
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Ricardo Kotscho é jornalista