Ainda repercutindo o principal assunto da semana – o ataque terrorista que matou cartunistas do semanário francês Charlie Hebdo –, observei alguns comentários sobre a publicação e seus “excessos”, principalmente nas críticas feitas ao islamismo. Claro que todos se posicionam contra as mortes que, realmente não se justificam sob nenhuma hipótese, mas alguns aventam a possibilidade de que, se a linha editorial do Charlie Hebdo não fosse tão “radical”, talvez o infortúnio não tivesse acontecido.
Pois bem. Vamos aos fatos.
1. As caricaturas de Charlie Hebdo são realmente pesadas. Algumas demonstram claramente o preconceito racial, outras o antissemitismo e a linha preferencial era, realmente, hostilizar o islamismo, apesar de haver material contra tudo, inclusive a Igreja Católica.
2. Ainda que eu entenda que há “excessos”, defender Charlie Hebdo é, em linhas gerais, defender a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
3. É importante ressaltar que a liberdade não é algo impune. Qualquer um, que se sinta lesado pela mídia ou por qualquer manifestação preconceituosa, tem a seu favor um cabedal de leis nacionais e internacionais que garantem não apenas o direito de resposta, como ações civis para reparar danos morais, dentro daquele conceito de calúnia, injúria e difamação.
A lição do poeta
4. Se o fundamentalismo islâmico fosse sério e quisesse ser levado a sério teria usado dos instrumentos legais que as instituições internacionais garantem a todos. Mas o fundamentalismo islâmico não é sério. Além da cegueira dogmática, que não cabe a mim julgar, eles mesmos são preconceituosos, além de cercearem direitos fundamentais do ser humano, principalmente no que tange às mulheres e às crianças. E usam a religião para escravizar, sendo que todos sabemos que o interesse do Islã é poder, territórios e as inúmeras jazidas de minérios diversos que existem naquela região do mundo.
5. Defender Charlie Hebdo é defender, sim, a liberdade. Isso porque hoje matam cartunistas que usam do sarcasmo para ironizar o fundamentalismo, qualquer que seja ele. Amanhã, outros podem matar jornalistas, escritores, cartunistas e até cidadãos em geral, que denunciam políticos inescrupulosos, envolvimento de setores do Estado com o crime e tantas outras mazelas. Aliás, já fizeram isso.
6. Não posso conceber que a morte dos cartunistas ocorreu porque eles pegaram “pesado demais”. Eles morreram porque imbecis agiram pior que eles que satirizavam um conceito que comprovou ser torpe. Ou seja: os que mataram os cartunistas apenas ratificaram tudo aquilo que havia sido “dito” pelas charges.
Por fim, vale sempre lembrar da lição que nos deixou o grande “poeta da revolução”, Vladimir Maiakovski.
No caminho com Maiakovski:
“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”
#JeSuisCharlie
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Sylvio Micelli é jornalista