Em novembro de 1970, morria aos quase 80 anos o general Charles de Gaulle, estadista e ex-dirigente da Resistência à ocupação alemã. Ele se retirara, aposentado, a uma pequena aldeia da Normandia, Colombey-les-Deux-Églises. O jornal satírico Hara-Kiri estampou em manchete: “Baile Trágico em Colombey: um Morto”.
A publicação foi proibida de circular pelo então ministro do Interior, o gaullista conservador Raymond Marcellin, com o aval do então presidente Georges Pompidou, também gaullista.
Os jornalistas e cartunistas do jornal decidiram contornar a proibição e lançaram o Charlie Hebdo, versão semanal (hébdomadaire, em francês) do mensal Charlie, que mantinham em homenagem a Charlie Brown, personagem de histórias em quadrinho do americano Charles Schulz (1922-2000).
Mas em verdade o Charlie Hebdo era bem mais que um veículo de humor negro. Criou e ampliou na mídia francesa um espaço editorial que se definia como libertário, como uma casamata que protegia uma constelação diversificada dos pensamentos da esquerda não oficial.
Implicava com o catolicismo conservador, com o Partido Comunista, com a hierarquia judaica, com a extrema-direita e com o terrorismo islâmico. Por mais que nunca tenha sido um jornal de ampla circulação, era por meio dele que sobrevivia, na mídia, o pensamento criativo nascido nas barricadas estudantis de Maio de 1968.
Do mesmo jeito
No Charlie Hebdo se formou e cresceu o melhor do cartunismo francês. Passaram ou saíram do jornal nomes como Cabu, Wolinski, mortos no atentado, Gébé, Reiser, Cavanna ou Siné.
Um dos pressupostos editoriais estava no fato de que simplesmente não prestava aquilo que era institucionalmente sério, em termos de política ou de costumes.
Um exemplo: há muitos anos a direita francesa defendeu a tese de que a imigração tinha um “teto” de convivência possível. O Charlie Hebdo produziu e publicou fotos em que uma francesa aparecia na mesma cama com três africanos, com a legenda: “O teto foi alcançado”.
O Charlie Hebdo não escapava facilmente da reputação de ser um jornal de pessoas mais velhas, que concebiam sempre do mesmo jeito o que seria uma reação libertária. Mais que previsível, então, ter publicado imagens de Maomé, que em 2006 provocaram protestos em massa no mundo muçulmano.
Mas já não havia mais o mesmo vigor juvenil de 1969, quando François Cavanna criou o pequeno grupo editorial, que sobreviveu a crises internas e ao declínio na circulação de exemplares.
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RAIO-X – CHARLIE HEBDO [lê-se: charlí hebdô]
Slogan – “Jornal Irresponsável”
Periodicidade – semanal
Colaboradores antes do ataque – 20 cartunistas, 30 redatores
Tiragem – 50 mil exemplares
História – Sucedeu a revista Hara-Kiri Hebdo, fechada em 1970 pelo Ministério do Interior após capa ser considerada ofensiva ao presidente Charles de Gaulle, que acabara de morrer. Em 1981, jornal é suspenso por problemas financeiros. Ele volta a ser publicado em 1992
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João Batista Natali, para a Folha de S.Paulo