Na sala de reunião do jornal “Libération” e com computadores emprestados pelo “Le Monde”, os sobreviventes do semanário satírico “Charlie Hebdo” se reuniram ontem para a primeira reunião de pauta da publicação, após o massacre que matou 12 pessoas, sendo oito funcionários do jornal. Cerca de 25 pessoas têm por missão agora preparar o número histórico que sai na próxima quarta-feira, com tiragem de um milhão de exemplares, 20 vezes mais do que o habitual. Gérard Biard, o editor-chefe, conduziu a reunião atípica – ele começou falando do estado de saúde dos quatro feridos no massacre de quarta-feira. Quem inspira mais cuidados é o diagramador Simon Fieschi, de 31 anos, em coma artificial. A jornalista Sigolène Vinson começou a chorar. Com a arma apontada para a sua cabeça, um dos terroristas desistiu de atirar nela, dizendo que não matava mulheres.
Entre um choro e outro, eles continuaram, e o que era para ser a reunião de pauta de um jornal de humor ácido logo se transformou na organização do funeral dos oito membros da equipe assassinados. Qual música tocar? Nenhuma bandeira nos caixões?
– Mataram homens que desenhavam bonecos e não estandartes. Temos que lembrar a simplicidade deles, o trabalho – disse Biard.
Um jornalista abordou as doações. Em menos de 24 horas, o jornal conseguiu arrecadar € 98 mil. Também receberam milhares de pedidos de assinaturas, nos últimos dois dias. Presente na reunião, o advogado do “Charlie Hebdo” há 22 anos, Richard Malka, contou que as doações devem tirar o jornal do vermelho.
Visita do premier Valls
O responsável por reunir novamente a equipe, Pierre Fraidenraich, diretor do “Libération”, contou como foi o encontro:
– Estavam todos muito chocados e tristes, mas não deixavam de ser o “Charlie Hebdo”, porque, em momentos da reunião, que durou três horas, houve gargalhadas e brincadeiras.
Depois da discussão sobre funerais e finanças, Biard interrompeu e disse:
– Bom, vamos fazer o jornal. O que vamos colocar nas páginas?
Patrick Pelloux, médico e cronista do seminário disparou, provocando risadas:
– Não sei, qual é a atualidade?
Biard propôs uma edição normal, para que os leitores reconheçam a publicação. Alguém lançou a ideia de deixar os espaços dos mortos em branco, já que o jornal não é dividido por temas, mas por autor ou caricaturista.
A sugestão, porém, não agradou ao editor. Outras ideias surgiram até a reunião ser interrompida pela chegada do primeiro-ministro francês, Manuel Valls, acompanhado da ministra da Cultura e Comunicação, Fleur Pellerin, e de uma multidão de jornalistas. Levando no peito o adesivo “Je suis Charlie”, a ministra prometeu € 1 milhão para que o jornal possa continuar. Após apertar a mão de todos, Valls deixou escapar informações sobre os dois suspeitos, que, naquele momento, estavam cercados dentro de uma gráfica na cidade de Dammartin-en-Goële (eles seriam mortos pouco tempo depois).
– Bom, coragem – desejou o premier antes de partir.
– Ótimo, não temos mais jornalistas, nem ministros, para a página 16, o que fazemos? – continuou Biard.
Uns comiam croissants, outros bebiam refrigerante. Pelloux comentou:
– É uma verdadeira reunião de pauta, uma bagunça, recomeçamos bem.