Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As rupturas nas estruturas de poder e relações sociais

A revolução das novas mídias, as quais trazem consigo a potencialização da interatividade, da disponibilidade de fontes e da convergência, tem causado um desequilíbrio saliente nas estruturas de poder presente na relação mídia/emissor – indivíduos/receptores. No cerne de tal ruptura, estão as novas tecnologias, que – a partir da ótica de Marshall McLuhan – têm alterado percepções de mundo, relações sociais e padrões de comportamento. Ao passo que as novas tecnologias contribuem virtualmente para a superação de uma sociedade de massa, fazem emergir desafios aptos a alterarem profundamente as práticas dos profissionais de comunicação.

Em 2013, o caso do desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza, no Rio de Janeiro, tornou-se emblemático. Possivelmente confundido com um traficante, o trabalhador desapareceu após ser detido por policiais militares. Uma grande mobilização desencadeada pelas redes sociais extrapolou o “mundo online” angariando a atenção da mídia “off-line” tradicional, de celebridades e autoridades. A pressão da campanha, que ficou conhecida como “Onde está o Amarildo?”, redundou nas investigações sobre o paradeiro do morador da Rocinha.

O caso configurou-se como um exemplo de agendamento inverso, propiciado por recursos de comunicação oferecidos pelas novas tecnologias. Lançado em 1972, pelos pesquisadores norte-americanos Maxwell McCombs e Donald Shaw, o conceito de agenda-setting apresentou a hipótese segundo a qual a mídia – a partir da seleção das pautas e disposição dos conteúdos – influenciaria decisivamente os assuntos sobre os quais as pessoas falariam e discutiriam. A teoria preconizava que o contrário também poderia ocorrer: da sociedade pautar os meios de comunicação. Mas reconhecia que, enquanto a influência gerada no sentido mídia-sociedade era imediata, o processo interativo agenda pública-agenda da mídia ocorria apenas em longo prazo, consequência de um processo gradual. As novas tecnologias da comunicação, no entanto, minaram, ao menos em parte, tal estrutura de poder, ao conceder maior amplitude à agenda pública, a ponto desta tornar-se imperativa aos meios de comunicação institucionalizados.

Interação e resposta

Diante deste novo contexto, uma nova expressão sociológica tem se popularizado em contraposição à categoria de “massa”. Trata-se do conceito de “sociedade em rede”, difundido principalmente pelo intelectual espanhol Manuel Castells. Enquanto na massa, sob o ponto de vista da teoria hipodérmica, os indivíduos mantêm-se imutáveis na posição de receptores passivos e encontram-se isolados e incapacitados de atuarem em conjunto, nas redes os papéis sociais são versáteis, mutáveis. O mesmo que consome conteúdos pode produzi-los, e já não há atomização, pois nas redes os fluxos da comunicação não ocorrem em apenas um sentido, e sim em múltiplas direções por meios de interconexões cuja velocidade tem alterado substancialmente as relações sociais, com reflexos, inclusive, nos padrões de comportamento.

Na conjuntura desta nova esfera pública, os jornalistas terão de se avigorar para fornecer aos leitores o fruto de uma apuração que deve ir além de informações factuais ou oficiais. Hoje os indivíduos têm acesso ao Twitter da presidenta da República, e não precisam mais comprar um jornal apenas para conhecer a posição desta sobre um determinado assunto. No que tange à comunicação organizacional, as relações públicas deverão receber mais atenção, no bojo dos esforços para tratar os prospects como públicos que são, e não como massa. Os publicitários, por seus turnos, precisam estar atentos para o fato de que as suas mensagens propagandísticas podem estar ladeadas por comentários negativos de consumidores insatisfeitos.

As novas mídias são, quiçá, timoneiras de um movimento que não apenas tem mitigado o monopólio da emissão de bens simbólicos, retirando o indivíduo de seu antigo despojamento e oferecendo-lhe instrumentos para que possa, assim, ser escutado, visto ou lido. Têm, da mesma forma, devolvido ao termo “comunicação” o seu sentido lato original, o qual contempla interação e resposta. Atributos que há muito vêm sido relegados, em detrimento de uma equação redutora que insiste em considerar apenas “disseminação” e “transmissão”.

******

Tiago Eloy Zaidan é mestre em Comunicação Social, coautor do livro Mídia, movimentos sociais e direitos humanos (Organizado por Marco Mondaini, Ed. Universitária da UFPE, 2013) e professor de Comunicação Social