“Não há mais latifúndio no Brasil.” (Kátia Abreu, ministra da Agricultura)
O truco é um jogo de baralho de vasta aceitação nas camadas populares, aqui no Brasil, noutros países da América Latina, Portugal e Espanha, onde, concebido por influências mouras, parece ter tido origem. O engano, o blefe, a algazarra bem humorada, sintonizada com as variações do comportamento psicológico dos entusiasmados participantes, fazem da disputa divertido entretenimento. Tenho lembranças, recuadas no tempo, de torneios de truco animadíssimos que mobilizavam legião de aficionados em cidades interioranas. Não sei dizer se isso ainda acontece hoje.
O auge da emoção no lançamento das cartas era atingido naquele preciso instante em que o jogador, ligando ao máximo o amplificador da voz, agitando mãos e balançando o corpo teatralmente, fazia ecoar pelo recinto o brado de guerra característico da jogada supostamente triunfante: “Truco!” O “truco” berrado a plenos pulmões significava brado contestatório, questionador. Projetava no ar estrondosamente uma interrogação. Levantava dúvida a respeito da verdadeira composição do valor das cartas empalmadas pelo adversário.
Ao ouvir na televisão, outro dia, a peremptória declaração da simpática ministra Kátia Abreu, da Agricultura, de que não mais há latifúndio no imenso território continental brasileiro – onde, ao que consta, pra ficar num exemplo, existem ainda propriedades rurais com extensão superior à da conturbada faixa de terra disputada por judeus e palestinos no Oriente Médio – pus-me a imaginar que, naquele justo momento, um punhado de patrícios, conhecedores a fundo da questão agrária, não conseguiu, por certo, resistir à tentação de deixar escapar do peito, bem alto para ser devidamente ouvida, a exclamação típica do jogo de cartas mencionado: “Truco, ministra, truco!…”
(Ainda bem que o ilustre ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, com a lucidez e bom senso costumeiros, ao tomar posse retomou o tema nos termos apropriados, deixando explícito que o latifúndio improdutivo constitui ainda hoje uma amarga realidade na paisagem rural do país.)
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Cesar Vanucci é jornalista