Friedrich Nietzsche (1844-1900) disse que “Deus está morto”, que “a crença no Deus cristão caiu em desuso” e que “a notícia de que o velho Deus está morto” deveria iluminar os “espíritos livres” na busca por um mundo sem a escuridão provocada pela crença divina. “Nosso coração transborda de gratidão, assombro, pressentimento, expectativa. Eis que enfim o horizonte nos parece livre outra vez. Enfim podemos lançar outra vez ao largo nossos navios, navegar a todo perigo, toda ousadia do conhecedor é outra vez permitida”, escreveu em Gaia Ciência (1882).
Nietzsche anunciou a morte de Deus no momento em que a ciência, insatisfeita com as explicações divinas para a vida, buscava meios concretos para entendê-la. Dito de outra forma, ele anunciou a busca pela verdade, que definia como “a vontade de não se enganar” ou “a vontade de não deixar se enganar”.
O filósofo alemão, no entanto, não via a verdade na ciência. Via-a no conhecimento. Dizia que a ciência só terá “certo valor dentro do reino do conhecimento” se “rebaixar-se à modéstia de uma hipótese, de um ponto de vista provisório de ensaio, de uma ficção regulativa”.
O domínio da natureza
Na busca para entender a vida fora do âmbito divino, a ciência inaugurou uma era de dominação da natureza pelo homem. No início, o objetivo era entendê-la. Depois,dominá-la. Atualmente, diz Thomas Kesserling em O conceito de natureza na história do pensamento ocidental(1992), está em curso um processo que afasta o homem da condição de integrante da natureza e que o faz acreditar que pode viver fora dela.
Em parte, essa sensação de independência tem a ver com o aparato tecnológico moderno, que se mostra capaz de recriar quase tudo que o mundo natural oferece: se está calor, cria-se o ar-condicionado; se está frio, inventa-se o aquecedor; se está escuro, produz-se a luz; se o corpo adoece, fabrica-se um coração de plástico; se não tenho asas, projeto o avião. Falta recriar a água!
A ideia de natureza como mero recurso à disposição do homem, e não como recurso que deve ser respeitado e preservado pelo homem, foi apresentada ao mundo pelo cristianismo. Lê-se em Gênesis: “Também disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.”
No universo cristão, a natureza era entendida como um presente divino. Vê-se agora, com a crise da água, que o presente foi mal aproveitado. A natureza agoniza. Se Deus morreu, ela está a caminho.
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Jeferson Bertolini é repórter e doutorando em Ciências Humanas