O bom jornalismo se faz com/de personagens. E para isso precisamos de fontes. Muitos dos meus colegas defendem que as fontes-personagens exemplificam fatos. Talvez, ao invés da palavra exemplificam alguns prefiram usar corporificam para definir o papel das fontes no jornalismo. Mas penso que personagens têm vida (própria) que vai além dos fatos que escolhemos narrar.
A pauta justifica em 15 linhas a história que devemos contar. Os complementos ficam, frequentemente, por conta das fontes que nos revelam, em duas ou três linhas, as aspas que faltam para preencher a lacuna dos dados testemunhais. Um lugar-comum que a maioria de nós, senão todos, já caímos em algum momento da nossa carreira. Subestimamos, embora com elegância, o entrevistado, a quem responsabilizamos pelo uso de adjetivos e emissão de opinião – altamente condenável para os profissionais jornalistas que estão fora do jornalismo opinativo.
Perguntas procuram por respostas. Mas, em alguns casos, perguntas devem mesmo nos servir como motores para o início de um diálogo que, conforme a disposição do entrevistado, pode nos levar além da história que a pauta investiga. Aprendi, tanto no jornalismo quanto na vida, que uma boa história nasce do desconhecido, daquilo que é considerado, a princípio, incomum, até mesmo indiferente. Na investigação de outro ser humano (e eu sou das que acreditam que todo jornalismo é investigativo) o bom mesmo é ser surpreendido por um novo ângulo, um ponto de vista diferente, enfim, ser surpreendido pelo que a pauta encarcera fora dela.
A transgressão da pauta
A especialização das fontes, cada vez mais natural entre os profissionais e cada vez mais requerida por nós jornalistas, nos oferece conforto, pois garante a qualidade do conteúdo que transmitimos aos nossos leitores/telespectadores/ouvintes. Entretanto, a especialização pode também nos levar a especializar perguntas, não oferecendo espaço para que o ser humano, por trás do especialista, nos introduza por novos caminhos, novas histórias.
A busca pela realidade inquestionável há muito cedeu espaço para a aceitação de que nós somos, genuinamente, profissionais que contribuem para reproduzir o mundo em palavras, imagens, sons e web 2.0. Ao reproduzir tal realidade, estamos, de certa maneira, modificando o real. E nesse caso, melhor que mudança venha através da transgressão da pauta do que pelo cumprimento arbitrário dela, pois, dessa forma, conhecemos mais sobre seres humanos.
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Anielle Morais é jornalista e professora universitária