Antes mesmo da virada do ano, dava-se como favas contadas que 2015 seria especialmente conturbado. Conturbado e sofrido. E de fato, nem foi preciso esperar muito para o bicho pegar, com o verdadeiro pesadelo de coisas ruins ou desandando que marcaram o mês de janeiro.
O recrudescimento de ações terroristas e conflitos étnico-religiosos no Velho Mundo, o presente de grego que a presidente Dilma impingiu ao país como cartão de visitas de seu segundo mandato; e até os rigores do clima acenando com o colapso iminente no fornecimento de água e energia, como, aliás, já vem ocorrendo de forma dramática em algumas regiões, em São Paulo de forma mais emblemática. Oremos.
Mas como desgraça pouca é bobagem, a população viu, atônita, as trêfegas promessas de campanha da presidente Dilma se transformarem em corte de benefícios, aumento de impostos, tarifaços, e disparada da inflação, que fechou em 1,24%, a maior em doze anos. Sem falar na virtual implosão daquela que até recentemente era a maior empresa do país, uma das cinco maiores do mundo no setor, e cujo rombo/roubo promovido pela verdadeira quadrilha lá instalada e a serviço do governo petista a cada dia aumenta, pela brutal depreciação de seus papéis e valor de mercado daí decorrentes.
Um estrago imensurável e que promete ficar ainda pior com as investigações chegando aos verdadeiros mentores e articuladores de um esquema que não só sangrou a Petrobras em alguns bilhões desviados em propinas, como no gerenciamento desastroso que levou a empresa, diretamente atrelado a presidência da República, a inflar indevidamente seus ativos em mais de R$ 80 bilhões. Imbróglio que tende a turbinar a ameaça de impeachment da recém-empossada presidente, notadamente pela campanha nesse sentido já em andamento via redes sociais, que já tem inclusive um salve geral marcado para o dia 15 de março.
Manjadas elucubrações
Possibilidade esta que embora ainda encontre resistência até mesmo em setores mais conservadores, pode se tornar inevitável, no caso das investigações do MP e da PF encontrarem provas irrefutáveis da transferência de recursos desviados da Petrobras para financiar as campanhas do partido do governo e seus aliados. Delito que segundo a legislação vigente, e conforme advertência do respeitado jurista Yves Gandra Martins, implica perda imediata de mandato, seja qual for o cargo. Algo difícil de conceber, e ainda mais complicado de viabilizar, mas que de qualquer forma já preocupa as próprias hostes petistas, a ponto de ter sido assunto dominante nas conversas e manifestações por ocasião do encontro comemorativo dos 35 anos de fundação do partido na sexta-feira (6/2), em Belo Horizonte.
Situação tão grave e preocupante que levou o ex-presidente Lula a sair das encolhas para pregar a união do partido contra o que definiu como uma tentativa de golpe em curso. Articulado, como não poderia deixar de ser, pelo velho inimigo Fernando Henrique Cardoso, e o que soa ainda mais ridículo: num suposto conluio com o juiz paranaense Sérgio Moro, virtual comandante da Operação Lava Jato. Mostrando estar ainda em plena forma, tratou de atribuir à blitz em torno do propinoduto da Petrobras a um mirabolante plano para reverter o resultado das eleições, recorrendo às manjadas elucubrações que remontam aos períodos mais turbulentos dos mandatos de FHC, quando, segundo ele, teria iniciado o sistema viciado de desvios de recursos para alimentar campanhas eleitorais.
Não surpreende que o ex-presidente queira justificar a sucessão de falcatruas que emergem de todos os cantos da administração petista mediante a alegação de que o mesmo acontecia nos governos anteriores. Como se tal verborragia pudesse não só minimizar as denúncias, como colocar sob suspeição o próprio alarde da imprensa sobre uma vocação delituosa que parece não ter limites. Uma notória vocação delituosa que faz com que a dilapidação do patrimônio da Petrobras pareça apenas a ponta do iceberg de malfeitos que contamina praticamente todos os setores governamentais, administrativos e serviços públicos, como se depreende das intermináveis denúncias veiculadas pela mídia. Como as apresentadas ultimamente pelo Fantástico, na Rede Globo, sobre a máfia das próteses e a série “Cadê o dinheiro que estava aqui?”
Pluralismo de fachada
Dos grandes esquemas, como os do mensalão e petrolão, aos golpes pontuais em tudo que envolva verbas públicas – e ao contrário da esdrúxula afirmação do empresário Ricardo Semler, em recente artigo na Folha de S.Paulo –, são robustas as evidências de que nunca se roubou e se desviou tanto como nos últimos tempos. E o fato de parte da imprensa fazer vistas grossas, contemporizar e até mesmo mitigar a roubalheira que transborda na gestão petista, mostra porque se deve ficar com um pé na frente outro atrás mesmo quando se ostentam bandeiras aparentemente insuspeitas.
Como o blábláblá da liberdade de expressão e de um pluralismo de fachada, que servem para escamotear interesses e intenções que não coadunam com a prática de um jornalismo íntegro, de uma imprensa que se preze.
Sem direito a final feliz
Verdade que o verdadeiro turbilhão de informações despejado pela mídia contribui para a dramatização das coisas, ampliando a sensação de descalabro e desamparo que esse recorrente show de horrores desperta. E o que é pior: quase sempre sem direito a final feliz. Não só porque finais felizes são raros ou efêmeros, mas principalmente pela tradicional pirotecnia da mídia em relação a histórias sinistras, dramas, escândalos, enfim, a tudo que renda manchetes e preciosos pontinhos no Ibope.
Com a proverbial onipresença e grandiloquência midiática que simboliza nossos tempos, quanto maior o impacto e a comoção, maior a dramatização e teatralização dos fatos. Ou vice-versa. Não é à toa que o brutal assassinato dos doze cartunistas do Charlie Hebdo, há um mês, pela dupla de terroristas treinados pelo Al Qaeda no Iêmen, tenha ensejado o maior manifesto mundial já realizado em prol da liberdade de expressão.
Tudo muito impressionante e tocante, pena que meramente simbólico, e em que pese devidamente valorizado e dramatizado pela mídia, incapaz de mudar a rotina mundial de crimes ainda mais bárbaros e injustificáveis, perpetrados sob qualquer pretexto, quando não sem nenhum, apenas por crueldade. Como o inominável espetáculo do piloto jordaniano enjaulado queimado vivo pelo famigerado Estado Islâmico. E que nem por isto despertam a mesma mobilização desencadeada em defesa de algo que sob muitos aspectos – parafraseando o famoso chiste do pensador inglês Samuel Johnson (1719-1784) –, se ombreia ao patriotismo como o último refúgio dos velhacos.
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Ivan Berger é jornalista