Recentemente, saiu na Revista Brasileira de Política Internacional o artigo intitulado “O declínio: inserção internacional do Brasil (2011–2014)”, escrito por dois distintos pesquisadores da área de Relações Internacionais, Amado Luiz Cervo e Antônio Lessa. Não intento aqui resenhar o artigo em questão, mas quero, se possível for, acrescentar ideias ao debate sobre o declínio da inserção internacional do Brasil no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, no qual, segundo os autores, a ausência de diálogo com os principais nichos da sociedade brasileira dificultou a aplicação da política no nível externo. Tal “declínio” é ainda mais evidente se compararmos com o governo anterior de Lula (2003-2010), momento que será lembrado na história das relações exteriores do Brasil com nostalgia.
É notável a baixa representatividade do Brasil nas principais organizações internacionais, sublinhada, entre outras coisas, pela suposta falta de pagamento aos órgãos da ONU. Soma-se a isso uma conjuntura internacional das mais perversas. Os países da zona do euro ainda não se recuperaram da crise internacional de 2008 e não devem se recuperar tão cedo, especialmente quando se verifica a nefasta equação: altas taxas de desemprego, perda de direitos sociais, baixa representatividade política e aumento do ultranacionalismo de direita, movimentos estes fruto, grosso modo, do ajuste fiscal promovido pelo Banco Central Europeu; do outro lado, a China às voltas com a queda nas taxas de crescimento, direcionando sua atenção para o crescimento do mercado interno como alternativa ao “país exportador”; na periferia, queda nos preços das commodities energéticas com consequências maléficas para os emergentes, especialmente a Rússia, que depende das exportações de gás para a Europa; queda nos preços das commodities de metais, grãos e produtos agrícolas, cujo impacto negativo na economia brasileira já é sentido no aumento dos preços e na queda nas exportações do setor agrícola.
No plano doméstico, o caso de corrupção na Petrobras e a guinada ortodoxa na economia dificultam a aproximação do governo Dilma Rousseff dos cidadãos que nela votaram. No Congresso Nacional, a distância entre eleitos e eleitores é ainda maior: a eleição de Cunha e Calheiros dão indícios de que as minorias a serem representadas nada têm a ver com as mulheres, os negros, os LGBTs, os sem tetos etc. As minorias, nesse caso, dizem respeito às empresas de Plano de Saúde, aos conglomerados de mídia, aos grandes latifundiários…
O novo banco de desenvolvimento
Retornando à pergunta inicial: seria o Brics o último suspiro da política externa de Dilma Rousseff? A resposta é: depende da vontade política. As conjunturas, tanto internacional como nacional, estão dadas. Assim, é preciso esforço e vontade política para deixar a zona de estagnação em que a política externa do Brasil se encontra.
Olhando por uma perspectiva positiva, é no agrupamento Brics o caminho menos custoso para a possibilidade de retorno do Brasil ao cenário internacional, uma vez que o diálogo com a sociedade sobre o Brics está consolidado – vide os mais diversos fóruns acadêmicos que tratam do assunto e a proximidade dos empresários com o mercado externo dos Brics. Além disso, Dilma Rousseff não tem hoje o mesmo peso político que Lula tinha quando exercia o cargo de “presidente e diplomata”; no governo Lula, a diplomacia presidencial viveu o seu auge. Ao contrário de Dilma Rousseff, Lula não dependia de alianças pré-estabelecidas para alavancar o Brasil no cenário internacional. Por isso, o trabalho de Dilma Rousseff é mais surfar na crista de outras ondas, do que surfar em águas internacionais sozinha – como bem fez Lula em diversas frentes.
Dessa forma, o Brics pode ser a porta de saída do Brasil para o mundo nos próximos quatro anos. A assinatura do acordo para a criação do novo Banco de Desenvolvimento é um passo importante no sentido de criar novos fluxos de investimento em infraestrutura, área sensível aos cinco países em desenvolvimento.
Pegar fôlego e esperar novos rumos
No que diz respeito à segurança global, o posicionamento comum do grupo de não aceitar as famigeradas intervenções internacionais – que até hoje foram contraproducentes – pode impulsionar as grandes potências a buscarem novas alternativas no combate à violência que extrapola as fronteiras nacionais.
Nas instituições internacionais, a busca por reformas deve ser o carro-chefe do Brics. Brasil e Índia pleiteiam um assento permanente no Conselho de Segurança e o Brics, a despeito de Rússia e China já terem o poder de veto, pode facilitar a demanda por mais legitimidade em um dos principais braços da ONU.
A voz dos cinco países – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – é consoante quando o assunto é reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI). Aprovada desde 2010, a reforma do FMI está paralisada no Congresso norte-americano pelo Partido Republicano. Entretanto, a barganha e a pressão dos cinco podem resultar em novas mudanças no Fundo. Ademais, as posições consensuais na OMC e no G-20 devem contribuir para o aumento da participação dos países em desenvolvimento em temas globais.
Ao fim, é no Brics que o Brasil deve procurar relativizar o “declínio da inserção internacional” verificado por Cervo e Lessa – na esteira de líderes que estão com as cartas da política internacional em mãos. É hora de pegar fôlego e esperar por novos rumos a partir de 2018.
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Renato Xavier é estudante de mestrado em Relações Internacionais