O pau do momento, nas tribos, nas praias, nas rodas sociais e até em casas de família – quem diria! – é o pau de selfie. Juro que não queria meter a minha colher de pau no assunto, mas não pude resistir. Afinal, em mãos de anônimos ou famosos, o tal disputa pau-a-pau com outras sensações do atual verão. Não sei se o veremos em outras estações, mas atualmente, é um pau muito disputado. Por homens e mulheres – sem preconceito! Verdade que precisa ter um pouco de cara de pau para armar essa vara em pleno espaço público. Mas, mesmo correndo o risco de levar pau, em comentários ao vivo ou em rede, o sujeito toca o pau e segue em frente.
Outros paus, no entanto, já fizeram sucesso em terras brasileiras e além-mar. Na época em que aqui aportaram, os portugueses logo se interessaram pelo pau nativo. Calma! Não era exatamente o pau dos índios, que viviam pelados. A cobiça maior, além das índias, naturalmente, era pelo pau-brasil (Caesalpinia echinata), uma árvore originária da Mata Atlântica que foi largamente usada, principalmente para tingir tecidos e fabricar a tinta para escrever e ilustrar as páginas de manuscritos. Nos primeiros 30 anos após a chegada da frota de Cabral, cortaram a árvore a dar com pau! E levaram tudo para Portugal. Essa exploração do pau brasileiro se estendeu ainda por três séculos, levando a árvore quase à extinção.
Em matéria de tamanho, o pau de selfie – por maior que seja o ego de quem o segura – é muito pequeno comparado ao pau-brasil, que chega a atingir 30 metros de altura e 1,5 metro de envergadura. Tão importante em nossa história que o nome do país deve-se exatamente a esse pau. Vermelho-púrpura. Lindo!
Não sei exatamente quantos paus valia, na época, cada árvore. Sei que Portugal e muitos portugueses enriqueceram. Só para ter uma ideia, uma única nau, em 1511, levou para a Europa 150 mil quilos de pau-de-tinta, um dos muitos nomes dessa árvore também conhecida por pau-rosado, pau-de-pernambuco, ibirapitanga, ibirapiranga, ibirapita, muirapiranga, orabutã e brasileto. O carregamento rendeu cerca de 2.500 ducados – ou 70 quilos de ouro. Coisa para o sujeito chutar o pau da barraca e viver feliz pelo resto de seus dias. Dinheiro suficiente para dar-se ao luxo de pagar um pintor para fazer um, digamos, self portrait.
A idolatria narcísica
Outro pau que ainda faz sucesso, mas foi mais festejado no passado, é o pau de fita. Uma dança folclórica trazida ao Brasil por portugueses e espanhóis, e também presente em países do México à Argentina. Um pau é fincado no chão e os participantes dançam segurando fitas coloridas que vão sendo entrelaçadas, em ziguezague, até que o movimento, de tão encurtado, não seja mais possível. Daí, faz-se o movimento contrário, destrançando as fitas.
Nas festas juninas tem outro pau que faz muito sucesso: o pau de sebo, também denominado de cocanha ou mastro de cocanha. O costume vem do Egito e, nesse caso, o pau não é somente metafórico. É mesmo um falo, em homenagem ao deus da fertilidade, o pagão Baal. Mais tarde, a Igreja Católica cristianizou a tradição, que chegou aos nossos dias nos festejos de São João. A brincadeira consiste em tentar alcançar um prêmio no alto do mastro untado com uma substância gordurosa. O pau-de-sebo (Sapium sebiferum) é o nome de uma árvore da família das euforbiáceas, nativa da China, que foi aclimatada em solo brasileiro.
Nosso país tem ainda um outro pau bem conhecido, só que este é uma referência triste e trágica em nossa história. O pau de arara é o nome dado ao transporte de passageiros na carroceria improvisada de caminhões, ainda presente em muitos lugares pobres do país. Milhares de nordestinos, principalmente, se deslocaram por vastas regiões do Brasil usando esse meio de transporte, por vontade ou necessidade, como cantou Luiz Gonzaga, ao contar a saga de quem tentava resistir à seca e só iria abandonar suas terras, no Cariri, “no último pau de arara” (letra de Venâncio/Corumbá/J. Guimarães).
Pau de arara é também um método de tortura que foi muito utilizado pelo regime militar após o golpe de 1964. Consiste numa barra atravessada entre os punhos amarrados e a dobra dos joelhos da vítima, que fica pendurada e, com o passar do tempo, sofre dores terríveis que, se não bastassem, eram combinadas com eletrochoques, espancamentos e afogamentos.
Era uma época em que boa parte da juventude brasileira enfrentava um inimigo que torturava e matava. Havia menos individualismo e mais sonhos de mudança, embora já fosse uma geração que desfrutava da sociedade de consumo, o que, desde então, só vem se acentuando. Mas essa idolatria narcísica não começou somente agora. Vivemos, há mais de uma geração, um culto exagerado à juventude, uma necessidade de se manter sempre “jovem”, de não querer envelhecer, de buscar a melhor imagem de si.
O que, em muitos casos, se resume em muitos sorrisos – nem todos sinceros – que ficarão registrados, em milhares de cenas compartilhadas, graças a um pau de selfie.
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Celso Vicenzi é jornalista