O Carnaval dominou o noticiário nas últimas semanas e, como de costume, opôs os que adoram folia e folga prolongada e os que consideram a festa perda de tempo e coisa de malandro. Convém perguntar: estariam os integrantes deste segundo bloco sob a influência do que Max Weber (1864-1920) chamou de espírito do capitalismo?
Considerado um dos pais da Sociologia, Weber não definiu esse espírito. Mas o localizou, histórica e culturalmente, na combinação de valores éticos, religiosos e econômicos que, em resumo, rotula como vadio ou como doente aquele que não se dedica com afinco ao seu ofício.
Weber apurou que o capitalismo moderno supôs a instauração de uma nova relação moral entre os homens e seu trabalho, determinada pelas vocações. “Fora de uma vocação bem sucedida, as realizações do homem são apenas casuais e irregulares, e ele gasta mais tempo na vadiagem do que no trabalho.”
O trabalho como vocação depende de uma educação alicerçada em valores religiosos, que Weber identificou com mais notabilidade entre os protestantes do Ocidente. Nesse contexto, a vocação aparece como uma tarefa ordenada por Deus, como a única maneira de viver aceitável por Ele e como expressão de amor ao próximo.
O trabalho, nesses termos, ganha status de mandamento. “Nem o rico pode comer sem trabalhar, pois mesmo que não precise disto para seu sustento, ainda assim prevalece o mandamento de Deus que deve ser obedecido por ele, tanto quanto pelo pobre. Isso porque todos, sem exceção, recebem uma vocação da Providência divina, vocação que deve ser por todos reconhecida e exercida.”
Desfrutar a vida é imoral
No conjunto, ao longo da história, esses valores opuseram-se “ao espontâneo desfrutar da vida” e restringiram o consumo, sobretudo do luxo. Também estimularam a busca pela riqueza e o hábito de poupar. “Combinando essa restrição ao consumo com essa liberação da procura de riqueza, é obvio e absoluto o que daí decorre: a acumulação capitalista.”
A respeito da acumulação, Weber percebeu que “a verdadeira objeção moral refere-se ao descaso sobre a posse e à desistência da procura de uma vida santificada”. “Na Terra, o homem deve, para estar seguro de seu estado de graça, trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado. Não é, pois, o ócio e o prazer, mas apenas a atividade que serve para aumentar a glória de Deus.”
Assim, “a perda de tempo é o primeiro e o principal de todos os pecados. A perda de tempo através da vida social, conversas ociosas, do luxo, e mesmo do sono além do necessário para a saúde, é absolutamente indispensável no ponto de vista moral.”
Referência bibliográfica
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo; tradução de Vinicius Eduardo Alves. 4ª ed. São Paulo: Centauro, 2013
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Jeferson Bertolini é repórter e doutorando em Ciências Humanas