Com o início da CPI da Petrobras, esperamos que mais uma vez a cobertura jornalística não seja reduzida ao espetáculo e, menos ainda, à articulação político-partidária. Talvez a imprensa esteja recebendo nova chance de se mostrar defensora dos interesses públicos com essa Comissão que investiga no Legislativo a má conduta e a corrupção praticada por parlamentares. E a melhor, talvez única, maneira de se mostrar defensora dos interesses da população é pela via do esclarecimento.
A população já está saturada de informações que respeitam a prática ilegal de alguns diretores da Petrobras. Práticas essas que favorecem poderosas empresas empreiteiras e partidos políticos, dentre os quais partido da base do governo e da oposição (embora o principal partido da oposição esteja fora da mira da CPI, segundo pedido entregue pela Procuradoria Geral da República). Que houve superfaturamento em contratos da Petrobras com grandes empreiteiras e que parte desse dinheiro serviu para exercer influência em licitações e nomeações de cargos, bem como para financiar campanhas de candidatos de diferentes partidos, também já cansamos de ouvir a partir das chamadas delações premiadas.
O que desejamos ver acontecer agora é a pedagogia da coisa. Que os trâmites sejam explicados da maneira mais clara possível, que a população saiba exatamente do que se trata e para que serve uma Comissão Parlamentar de Inquérito, quais os poderes e os encaminhamentos que os congressistas podem fazer a partir de uma CPI. Que as análises políticas acerca da investigação mostrem erros e acertos da Comissão.
A primeira reunião da CPI da Petrobras, na quinta-feira (5 de março), revelou nervos exaltados da base governista e da oposição, o que não deixa de ser um elemento e tanto para quem já está pronto para fazer dessa CPI o espetáculo que pautará os jornais nas próximas semanas.
Chance de democratizar o país
Não paira dúvida sobre o fato de que os congressistas farão dessa CPI um palanque eleitoral para os próximos pleitos. Ou seja, que disputarão minuto a minuto, estratégia a estratégia, a possibilidade de mostrar que seu oponente e o partido do mesmo são mais corruptos do que os seus próprios. O PSDB foi poupado, mas o PMDB entrou na mira. O PT tem muito o que explicar. Os presidentes da Câmara e do Senado estão entre os investigados; e juram inocência, levantando até a acusação de estarem sofrendo perseguição do governo federal. Isso confirma o quanto o Congresso brasileiro hoje não está interessado em trabalhar com o governo federal, o que pode ser péssimo para a população (e não apenas ao governo federal). Eduardo Cunha, que havia se tornado o personagem principal da nossa política no último mês, pode passar para o papel de inimigo público (por questões agora ligadas à corrupção, e não mais às pautas contrárias às conquistas sociais).
Enfim, o cenário é bastante complexo, movediço e repleto de artimanhas partidárias que não coadunam com o interesse público. Diante disso, caberia à imprensa, na cobertura da CPI, a incumbência de mostrar à população os erros e acertos que se praticarão nas próximas semanas para que o povo não fique novamente refém do espetáculo apenas. Essa responsabilidade, se assumida e praticada, pode oferecer ao brasileiro a educação cívica que tem tanto faltado nesse emaranhado de discussões em que nos vemos metidos sem conhecimento mínimo das regras do jogo. Jogo este em que, embora ainda não com plena consciência, somos um jogador importante.
Quando falo em educação cívica, não me refiro, em hipótese alguma, àquela disciplina escolar criada em plena ditadura civil-militar. Refiro-me à simples capacidade de compreender quais sejam os deveres, funções e direitos desses homens da administração pública, bem como o nosso próprio direito e poder de intervenção, que é bem maior do que nossa tradicional imprensa brasileira tem revelado ao povo. E com maior cuidado depois de junho de 2013.
Se a imprensa não cumpre sua função, a CPI se tornará uma disputa político-partidária, e não a possibilidade de esclarecimentos. Se os empreiteiros não entrarem na mira dessa investigação, para que entendamos não apenas qual o partido mais corrupto (como se isso fizesse alguma diferença; afinal, não há mais ou menos ético), se essa Comissão não for usada para esclarecer como funcionou o esquema, quem foram os corruptores e operadores e, claro, quais as consequências dessa corrupção toda, então teremos perdido mais uma grande chance de democratizar um pouco mais o país.
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Cristiano de Sales é professor de Comunicação Social