Se no passado “boca-a-boca” geralmente era sinônimo de sucesso na publicidade, em tempos de redes sociais, “clique-a-clique”, em alguns casos, pode significar controvérsia. São numerosos os casos recentes de propagandas que acabaram alvo de críticas na web por esbarrar, direta ou indiretamente, em temas como raça ou gênero. No domingo, Dia Internacional da Mulher, marcas de variados segmentos foram rapidamente acusadas de sexismo, discriminação atribuída também a uma cervejaria antes do carnaval. Em meio a tudo isso, publicitários reconhecem que a possibilidade de repercussão negativa ampla e imediata já interfere no processo de criação e defendem: é preciso encontrar um caminho intermediário entre o respeito e o tédio. “Digo que, de um lado, há o politicamente incorreto, que pode ser engraçado, mas mal-educado. Do outro, o politicamente correto, que pode estar certo, mas é chato. E há também o politicamente saudável, que é aquilo que mistura irreverência e brincadeira, evitando a falta de educação e a cafajestada”, resume o famoso publicitário Washington Olivetto, à frente da agência WMcCann. “A manifestação de grupos contra esta ou aquela propaganda faz com que cuidados fiquem maiores e atrevimentos fiquem menores. Mas, neste processo, a ousadia tem de fazer parte.”
“Voz potencializada”
Olivetto lembra que campanhas estão no centro de controvérsias há décadas. No entanto, a tecnologia fez o debate se multiplicar a uma velocidade muito maior. O aspecto é destacado também por Guga Ketzer, sócio e vice-presidente de criação Loducca: “A rede social potencializou algo com que já nos preocupávamos. Sempre foi quase impossível criar sem pensar em nas reações que alguns setores da sociedade podem ter, mas antes isso se manifestava de uma forma muito pequena. Hoje, a voz das pessoas é potencializada. Às vezes elas têm dez seguidores, mas colocam uma hashtag que faz com que aquilo tenha repercussão. Campanhas que atingem 60 milhões de pessoas recebem reclamações de cem ou mil, o que, estatisticamente é pouco, mas, com a força da rede, há influência não só de quem está na internet, mas também dos veículos de comunicação. Temos de pensar que nenhuma peça publicitária hoje se encerra na mídia em que foi publicada. Ao ir para internet, ela não tem mais fim, o que significa que você pode ter de passar o resto da vida pensando naquilo.”
Os exemplos de campanhas cujas críticas ganharam ampla repercussão são variados. No ano passado, a própria Loducca foi alvo de ataques ao criar a hashtag #somostodosmacacos. O argumento era se manifestar contra o racismo a partir de casos no futebol. A expressão, no entanto, acabou sendo classificada por alguns como ofensiva, ao resgatar um xingamento usado contra pessoas negras. Efeito parecido teve campanha da Johnnie Walker, também de 2014. Ao estampar a palavra “branco” na foto do rosto de um homem negro acompanhada da frase “E você, ainda deixa usarem sua origem como obstáculo para o seu progresso? Racismo. Até quando?”, a marca foi recriminada por supostamente culpar o oprimido pela opressão.
Mais recentemente, o debate foi gerado por ações apontadas como sexistas. Mês passado, a Skol foi acusada de estimular o estupro ao estampar em mobiliários urbanos de São Paulo uma peça com a frase “Esqueci o ‘não’ em casa” em uma campanha de carnaval. Depois das manifestações em redes sociais, a Ambev, proprietária da marca, retirou a ação das ruas e a relançou, incentivando o respeito na paquera. “Quando um não quer, o outro vai dançar” e “Não deu jogo? Tire o time de campo”, disseram as novas peças.
Página reúne casos
Esta semana, internautas apontaram preconceito de gênero em uma série de propagandas pelo Dia da Mulher, e o Tumblr “Quem foi que aprovou?” reuniu exemplos. Um dos casos mostrados é o da Unimed Rio, que publicou anúncios com frases como “Hoje é dia de quem usa um sapato que machuca, mas que é lindo” e “Hoje é dia de quem nunca tem roupa para sair, apesar de ter o armário cheio”. Ao receber reclamações, a empresa pediu desculpas. “Acreditamos que mais do que lutar por direitos, ser mulher é não desistir dos sonhos e ser feliz fazendo o que ama. A Unimed Rio pede desculpas por qualquer mal-entendido com uma de suas ações em homenagem ao Dia Internacional da Mulher”, publicou no Facebook. As controvérsias não são exclusividade da publicidade brasileira. Em outubro passado, anúncio da marca Victoria’s Secret que tinha como slogan a frase “o corpo perfeito” foi alvo de críticas de quem defende a propagação de uma imagem mais saudável e realista das mulheres. A empresa acabou modificando a propaganda. “A reformulação de campanhas que recebem críticas é mais comum do que parece. Às vezes por uma decisão tanto do cliente como da agência, ao pensarem que não foram felizes em uma determinada ação. Isso anda muito mais rápido com as redes sociais. Muitas vezes os casos nem chegam ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Acredito que, ao receber críticas na internet, na pior das hipóteses, o publicitário deve fazer um exame do assunto. Não é preciso esperar que alguém diga que você é culpado para assumir a culpa”, opina Orlando Marques, presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade).
As controvérsias geradas por propagandas já começam a virar filão de mercado. Foi criada este ano a consultoria Think Eva, que pretende auxiliar clientes a dialogar com o público feminino e já atendeu Petrobras e Marie Claire. “No Brasil, algumas empresas até têm uma boa intenção, mas ainda trabalham muitos clichês. Vimos que muitas mulheres não se identificam com campanhas. Pretendemos educar clientes para que as tratem de forma mais respeitosa”, explica a publicitária Nana Lima, fundadora da iniciativa ao lado das jornalistas Juliana de Faria e Maíra Liguori.
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Dandara Tinoco, do Globo