Toda e qualquer manifestação é legítima, exceto quando é golpista. Durante o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff, no dia 8 de março, tivemos um panelaço e vaias em algumas capitais brasileiras. Há uma insatisfação com os rumos da economia, com o aumento dos impostos e com a corrupção que assola o país. Isso é compreensível. Ninguém nega que ela cometeu erros… De outro lado, não se pode ignorar a conjuntura internacional que vivemos no momento. Refiro-me à crise internacional de 2008, que deixou sequelas profundas em várias nações do mundo. É o caso do Brasil. Afinal, vivemos num mundo globalizado.
A verdade: os manifestantes, em sua grande maioria, são eleitores aecistas. Assim como o tucano, eles não aceitam a derrota nas urnas. De um lado, esse mesmo grupo aceita e compactua o choque de gestão em Minas que permitiu que Aécio contratasse 98 mil funcionários públicos sem concurso e o escândalo do aeroporto de Cláudio. Além disso ele é acusado de desviar da saúde mineira cerca de R$ 4,3 bilhões. Contudo, ao deixar o governo de Minas Gerais, teve aprovação de 92%, segundo pesquisa Vox Populi. Há mais: o peessedebista Antônio Anastasia, que é afilhado político de Neves, foi derrotado em Minas Gerais. Será por quê? A grande pergunta é: o que fizeram os indignados tucanos – ou não – que vaiam Dilma e aceitam esses absurdos?
Na verdade, Aécio conta com o amplo apoio da mídia hegemônica que, no Brasil, é majoritariamente de direita. Estão de mãos dadas com ele. Resultado: dia após dia, desde o primeiro dia de governo, os meios de comunicação massacram Dilma e seu estafe, principalmente, pelos esqueletos da Petrobras. O bombardeio midiático é constante e ininterrupto. Mas a imprensa finge esquecer que todos os partidos, infelizmente, estão envolvidos nos malfeitos da petroleira. Diante de tudo isso, não dá pra ficar calado. Entre nós, a mídia se coloca como partido de oposição. Quem nega? Aliás, alguém já escreveu que ela tem por objetivo informar, educar e entreter. Esse é o seu papel. Não é um partido político.
Elite escandalizada
É preciso encarar a realidade de frente. O fato é que a mídia é servil com os tucanos. Em relação aos absurdos mais recentes, ela fecha os olhos para seus malfeitos… Resultado: não investigaram o mensalão mineiro, a crise hídrica em São Paulo, o caso Sivam, os escândalos do Rodoanel, o propinoduto paulista do metrô e do trem… Tem mais, o peessedebista Beto Richa afundou o Paraná numa grave e violenta crise econômica que parece sem fim… Até outro dia, os professores estavam em greve. Nas universidades estaduais, a situação é muito complicada: o cenário é de crise. Falta dinheiro. Ante essa conjuntura, o que faz a imprensa? Ela ignora o que ocorre no Paraná. As reportagens são superficiais. Afinal, o patrão é tucano. O que fazem os aecistas? Emudecem e fingem que está tudo bem. Ah, a imprensa adota a mesma postura com o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, ante a falta de água em São Paulo. Ele não é cobrado e nem perturbado pela mídia. Alckmin sabia que ia faltar água desde 2003. E não fez nada. A pergunta incômoda é: o que fizeram os indignados tucanos – ou não – que vaiam a presidente e concordam com esses escândalos?
Ou seja, é preciso abrir os olhos para a verdade. Meus amigos, que cinismo é esse? São dois pesos e duas medidas. Estamos diante de um impasse: metade do país quer Dilma, a outra não. Metade a condena. Como se sabe, infelizmente, a metade aecista aceita e concorda com todos os absurdos, com todos os escândalos e com todos os malfeitos tucanos. Portanto, é preciso deixar de lado a hipocrisia. Por outro lado, todos nós, de uma maneira ou de outra, temos uma mão suja: sonegação de impostos, atestado falso, propina para se livrar de multa de trânsito e furamos a fila no banco… Tenho que perguntar: cadê os indignados tucanos – ou não – que vaiam Dilma e burlam as leis para levar algum tipo de vantagem?
Pois bem, é fato que há uma estratégia clara em curso para tirar Dilma e o PT do poder. Que, a bem da verdade, cometeram uma série de enganos… O mesmo se aplica ao oposicionismo. Um aspecto que chama atenção: o PSDB, que não aceitou a derrota nas urnas, tem lançado mão do vale-tudo para derrubá-la. Os indícios dessa triste realidade são, cada vez mais, contundentes. Para eles, a campanha eleitoral, de 2014 não acabou e assim advogam a tese do quanto pior melhor para o país. É assim que acham que vão conquistar o poder. Tem mais ainda: a lista de investigados na propina da Petrobras é uma piada. Apenas 49. A lista de envolvidos é imensa. Todo mundo sabe disso. Outra coisa: é preciso fazer uma faxina geral nos quadros dos partidos políticos deste país. É preciso separar joio e trigo. É bom lembrar que, em 1997, Paulo Francis denunciou a roubalheira na Petrobras num programa de TV. Em seguida, foi processado por dizer a verdade. Uma verdade: a sangria e os esquemas de propina continuaram na petroleira nos governos seguintes… Quem nega? Tenho que perguntar mais uma vez: naquele momento, onde estavam os tucanos indignados – ou não – com suas vaias e o panelaço ante a denúncia de corrupção na Petrobras feita pelo Francis? Por que ficaram calados?
Como se sabe, no conhecido poema “Historiador”, o poeta Carlos Drummond de Andrade nos revela o poço vazio de memória. Na realidade, o povo brasileiro esquece muito fácil e rápido dos acontecimentos políticos. Explico com dois exemplos: todos se lembram da compra de votos para garantir a reeleição de FHC (1997). Um dos beneficiados, entre tantos outros, com o esquema, foi o deputado Ronivon Santiago (PFL-AC), que recebeu R$ 200 mil para votar a favor. Terrível, também, foi a venda da Cia. Vale do Rio Doce por R$ 3,3 bilhões no governo Fernando Henrique Cardoso. Seu real valor de mercado: R$ 450 bilhões. Pergunta que tem de ser feita: o que fizeram os tucanos indignados – ou não –, naquele momento, com suas vaias e o panelaço ante o escândalo que garantiu que FHC comprasse a reeleição?
Para concluir, releio o artigo “Nunca se roubou tão pouco”, do lúcido tucano Ricardo Semler, que nos revelou o que todos sabiam acerca do esquema de pagamento de propina na Petrobras. Seu texto é brilhante, corajoso e honesto. Algo raro nos dias de hoje. A verdade é uma só: goste ou não de Dilma, de seu governo, não se pode afirmar que ela obstrui a justiça de cumprir com o seu papel. Não é de sua índole engavetar ou ocultar escândalos… Mais: não há elementos concretos – crime de responsabilidade – que justifiquem o afastamento da presidente. Quem pensa e imagina o contrário, compactua com um golpe de Estado. Dilma foi eleita democraticamente. Só os abutres oportunistas pensam o contrário e querem tirar proveito da situação. Cabe à oposição fazer o seu papel com responsabilidade. Neste momento difícil, é fundamental o espírito republicano democrático. Que o oposicionismo não se esqueça disso. Por isso, faço minhas as palavras de Semler: “Agora tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão – cem vezes mais do que o caso Petrobras – pelos empresários?”
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Ricardo Santos é professor de História e jornalista