Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

O maconheiro e a ética das cabeças desfeitas

A voz do maconheiro é ouvida até demais nos meios de comunicação, mas não de uma maneira adequada. Nos programas policiais, o usuário é exposto pelos comandantes de polícia como um troféu podre que foi tirado de circulação por eles, os cavaleiros do bem, armados de uma inigualável moral cívica. O repórter do programa também aparece armado com o que ele julga o mais poderoso dos recursos: a ética da própria cabeça. Esta ética é parecida com a de muitos pais de família, presos à realidade de palácios confortáveis em bairros com “excelente localização”.

O que muitas pessoas não sabem – ou não querem saber – é que o mesmo pai de família que aponta o dedo para o “maconheiro” preso por porte da droga pode ter uma pessoa de qualificação semelhante dentro de casa. Pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por meio do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), mostra que 8 milhões de pessoas já usaram maconha em algum momento de suas vidas. Vale ressaltar que 8 milhões de pessoas equivale a 7% da população adulta do Brasil.

A mesma pesquisa indica que 1,5 milhão de pessoas podem se enquadrar no termo “maconheiro”, pois consomem a erva com regularidade. Esse número, porém, não é um espelho do que acontece; é apenas um recorte. Até porque abrir a boca e assumir que é usuário de maconha não é uma atitude bem vista, principalmente para o pai de família que sustenta o “vício” do filho sem saber.

Regularizar o acesso

O vício vem entre aspas porque não há consenso sobre a dependência trazida pela cannabis. Até porque muitas pessoas que adotam o estilo “4:20” – alguns consideram ser “maconheiro” um estilo de vida – trabalham, estudam, constituem família e vivem a sua maneira. Igualmente aos pais de família que bebem uísque todas as noites e fumam o cigarro de sua marca favorita. Mas quem poderá dizer qual dos dois tem a cabeça feita?

Fora exemplificações estereotipadas, a verdade é que o tráfico de drogas foi apreendido pela economia. No Brasil esse mercado movimenta milhões, que matam e causam danos irreversíveis, principalmente às famílias de jovens de baixa renda. Embora não exista uma estatística exata desta economia marginalizada, ela parece ser bem maior que o dinheiro limpo de ONGs em convênios com prefeituras. Rodrigo Bethlem que o diga.

Assim como esses danos, é impossível eliminar uma economia tão lucrativa como a das drogas. É o mesmo que imaginar o fim da indústria do refrigerante. Sendo assim, cabe aos três poderes – não confundir com a santíssima trindade – analisar com astúcia o que é menos lucrativo para os brasileiros: a violência ou o infinito mercado de entorpecentes.

Regularizar o acesso à maconha, tal qual o vizinho Uruguai, é o começo do fim de uma carnificina diária, que há muito o país luta a contragosto, como quem esmurra a ponta dos revólveres que cospem balas perdidas.

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Lucrécio Arrais é repórter