Entusiasmado por natureza e um dos mais populares publicitários brasileiros, Washington Olivetto, 63, se diz preocupado com o “desotimismo que estamos vivendo” e, também, “com as investigações”.
Criador de campanhas antológicas para a Cofap, Brastemp, Bombril, Itaú e Valisère, entre outras, Olivetto, que nunca fez trabalhos de marketing político e nem publicidade para empresas públicas, diz ainda que “quando o anunciante governo encolhe, a propaganda brasileira também encolhe”.
Presidente da agência W/McCann e ganhador de 50 Leões de Ouro em Cannes (França), ele trabalha como “homem de criação” desde os 18 anos e, recentemente, se tornou no final de janeiro o primeiro não-anglo saxão a entrar para o Hall of Fame (hall da fama) do The One Club Creative, concedido há 54 anos, no Gotham Hall, em Nova York.
Leia a seguir os trechos de sua entrevista exclusiva concedida à Folha.
Crise à brasileira
Acho que a sociedade brasileira quer manter a estabilidade, mas parece que há uma certa “fadiga de material” no discurso do governo. No discurso atual, a diferença entre a versão e o fato ficou clara depois da eleição.
É aterrorizante que coisas importantes para as pessoas que nasceram depois dos anos 1950, como a não inflação, possam estar em jogo. De todo modo, a sociedade brasileira tem capacidade de reivindicar e de exigir estabilidade e normalidade, mesmo nesse momento difícil.
De antemão, daria para dizer que fosse qual fosse o resultado da eleição, pela circunstância que o Brasil já vivia naquele momento, certamente as medidas tomadas depois por quem ganhasse seriam muito similares.
O que possivelmente seria diferente é o astral com que essas medidas estão sendo recebidas. Tivemos uma disputa eleitoral violenta e, em empresas e em países, a administração do astral é tão importante quanto a administração do caixa.
Mas vamos falar da publicidade hoje: do ponto de vista criativo e estético, não vive um momento brilhante, a situação do Brasil também não vive um momento brilhante – e estamos todos preocupados.
Em momentos de crise, tanto a publicidade sofre, como as empresas podem anunciar mais. Muitas vezes digo aos clientes: se você me perguntar se num momento de crise a publicidade vai ajudar a vender mais, eu respondo que não necessariamente.
Mas, se a pergunta for, se é oportuno fazer esse trabalho, eu vou dizer que certamente sim, porque nesse momento você pode lavrar uma imagem maior do que seus concorrentes e ficar mais preparado no momento em que tudo melhorar.
Aliás, o profissional de publicidade no Brasil é um dos mais aparelhados para trabalhar em crise. Na minha carreira, foram raros os momentos que não trabalhamos em meio a crises.
Campanhas políticas
Nunca fiz marketing político. Dediquei toda a minha vida à iniciativa privada, foi uma opção. A sequência disso foi assim: quando comecei, não queria fazer porque no Brasil tinha ditadura política.
Tinha a sorte de ser empregado pelos DPZ [agência dos publicitários Roberto Duailibi, Francesc Petit e José Zaragoza], que não me obrigaram e nem pediram para fazer.
Não sei como seria se, aos 20 anos, eu trabalhasse numa agência que dissesse que eu tinha que fazer.
A DPZ praticamente não fazia, mas lá eu fiquei como o cara que não fazia nem campanhas políticas e nem de empresas governamentais.
E continuei não fazendo e essa relação, que começou intuitiva, fez com que eu determinado momento eu percebesse que essa postura era cômoda ideologicamente e, ao mesmo tempo, se transformava num diferencial meu.
A Petrobras, para minha geração era uma referência, mas eu nunca fiz. E, quando apareceu a oportunidade de fazer campanha para os Correios, por coerência, também não fiz, mas até gostaria de ter feito…
Quando fiz a fusão da W/Brasil com a McCann, coloquei isso na minha declaração de princípios.
Começo na profissão
Foi curioso, até contei agora, no dia do prêmio Hall of Fame, como eu comecei a trabalhar numa agência de publicidade. No início do meu discurso lá em Nova York, disse que queria deixar claro que só estava lá porque meu pneu furou.
Então eu tinha 18 ou 19 anos, e, antes disso, já na adolescência, havia descoberto para o que eu serviria na vida. Como aprendi a ler muito cedo, digo que devo minha vida ao Monteiro Lobato – eu até preferiria dizer que devo ao F. Scott Fitzgerald, mas não… E aos 13 anos, já sabia que queria viver de escrever.
Por outro lado, meu pai era um vendedor, representante da fábrica de pincéis Tigre, de pelo de marta, uma espécie de vison dos pincéis.
Ele era um vendedor daqueles exuberantes. Aliás, os grandes vendedores não vendem, eles criam confiança. Fazem na verdade o que faz um publicitário: criar predisposição de compra e não apenas vender.
Na infância e na adolescência, me habituei a sair do colégio e eventualmente íamos juntos a depósitos de material de construção. E chegando lá, os clientes dele diziam para ele ver o que estava faltando e mandar.
E eu ficava fascinado com essa relação da confiabilidade. Isso, no meu trabalho, tem relação com a busca pelo coloquial. Publicidade, para mim, era uma mistura de querer escrever e querer vender.
Nessa época, fui encantadoramente atropelado pelo momento de profissionalização da propaganda brasileira: nada teria acontecido comigo se não fosse a geração anterior de publicitários, caso do Alex Periscinoto, indubitavelmente dos DPZ, do Mauro Salles, do encantador Neil Ferreira e com o respeito pela publicidade deles, que tinha menos brilho criativo, caso da Norton.
E assisti a uma palestra do Neil quando eu tinha 18 anos – e ele devia ter 25. Eu queria ser ele e, anos depois, tive o prazer de contratá-lo.
Pneu furado e carreira
Meu pai era um homem de classe média, que trabalhava muito, mas, quando entrei na faculdade, ele me deu um carro. E eu tinha uma tia, irmã do meu pai, que não tinha filhos e que era uma mulher sofisticada, que me ensinou a tomar chá na Vienense, cortar cabelo no Mappin, todas essas frescuras.
O marido dela, que me ensinou a ser corintiano, tinha uma Karmann-Ghia vermelho. Mas minha tia não gostava dele andando nesse carro e trocou meu Fusca pelo carro dele. E, graças ao ciúme dela, eu ia para a faculdade no Karmann-Ghia, o que era uma relação desproporcional para um menino como eu, de classe média muito média.
Um dia, o pneu desse carro vermelho furou na rua Itambé, onde tem o MacKenzie.
Como não sei fazer algumas coisas que envolvem habilidade manual, como cortar unhas, trocar pneus era uma coisa traumática. Meu pai tinha critérios exacerbados de masculinidade, queria sempre que eu o ajudasse arrumar o carro.
Mas eu não queria trocar pneu e, quando isso aconteceu, eu estava de jardineira, de cabelo comprido, e nesse momento eu vi o escritório da HGP Publicidade e pensei: vou pedir um estágio.
Nesse momento começava a aparecer a palavra mídia. E a propaganda tinha grandes textos, já vendia muito bem até carros como o Simca Chambord, que era superbacana, mas ficou apelidado de O Belo Antonio, que era um personagem do Marcello Mastroniani que era lindo, mas não funcionava muito bem.
Para resumir, entrei na agência e disse que queria falar com o dono. O dono, que se chamava Juvenal Azevedo, que faleceu recentemente, apareceu e eu disse que ele deveria estar no dia de sorte, porque eu queria trabalhar lá e podia ser muito bom nisso. E disse ainda que meu pneu não costumava furar duas vezes no mesmo lugar.
Era uma agência muito pequena e ele, que era muito legal, me contratou um mês depois.
No terceiro mês ele me chamou e disse que eu tinha potencial e sugeriu que nos finais de tarde eu fosse mostrar meu trabalho nas agências mais importantes.
Aí, é claro, eu não fui mais em faculdade nenhuma. E sou obsessivo e comecei trabalhar com muito prazer e muita alegria, com o Juvenal me ensinando. A geração de publicitários dele era uma geração de uma generosidade muito grande, que formou um caminhão de pessoas, como também acontecia com os jornalistas daquela época.
Assim, graças ao Juvenal Azevedo, no final da tarde eu mostrava meus trabalhos para pessoas como Hercílio Tranjan – com ele, eu brincava dizendo que Hercílio foi a minha primeira agência de propaganda.
Linha de trabalho
Estou com 63 e estou desde os 18 anos nessa história. Participei de vários momentos de empresas e de marcas. E sempre queria que repetissem as coisas que eu criava, é onde me movimento melhor, minha obsessão.
Nessa atividade repleta de dúvidas, é preciso ter ousadia, ter coragem e o profissional honesto quer entrar para a cultura popular.
Tem campanha que é boa, mas não vende. Tem campanha que não é boa e vende. Mas as boas mesmo são as que são boas e que vendem.
Acho que a publicidade no Brasil se situa, na média, entre as três maiores do mundo, depois da inglesa e da americana. Quando eu digo média é porque, na maioria das vezes, a qualidade da propaganda em todos os países é muito ruim. E da média em geral, os ingleses têm média um pouco melhor do que a gente.
De uma certa maneira, antes mesmo de existirem as redes sociais, eu queria que repetissem nas ruas as minhas campanhas. Eu não tinha isso racionalizado, mas eu sabia que esse seria meu caminho, minha obsessão foi, sempre, fazer a ligação disso com a cultura popular.
Devo muito da visibilidade pessoal à geração que criou no Brasil a TV aberta, mas faço tudo com o maior prazer: propaganda para jornal, para revista etc. O profissional tem que ter o prazer, o tesão, a humildade e a pretensão de fazer tão bem feito desde o comercial de TV até o folheto que distribui no pedágio. Esse é o desafio do profissional de propaganda.
Anúncios de oportunidade em jornal, nos anos 1970, foram trabalhos que eu fiz com enorme prazer. O anúncio de jornal tem que ter a cara e a instantaneidade do jornal.
O primeiro que eu fiz, com genial Francesc Petit, para o Banco Itaú, que na época uma máquina de tirar dinheiro pioneira que se chamava Itaú-cheque.
Na Semana Santa, quando o banco estava fechado, fiz um anúncio assim: o Itaú aproveita a Semana Santa para vender o seu peixe. Isso é um anúncio de jornal. É como você pegar o dia primeiro de abril e dizer que não é mentira, que você é o homem mais bonito do mundo! A mídia jornal permanecerá para sempre.
E também a do rádio, Nossa Senhora!, para um criador de publicitário, o rádio joga com a imaginação e não existe cenário mais maravilhoso que a imaginação.
Ciclicamente, acontece que toda a vez que aparecem novas mídias, as pessoas dizem que as velhas vão morrer.
Muitas pessoas são lineares, primárias. O rádio não morreu com a TV, os jornais estão muito vivos.
Somos um dos maiores países analógicos do planeta, graças particularmente à competência da Rede Globo, e somos um dos maiores países digitais também. Mas também somos um país onde há regiões sem luz elétrica; ano passado fizemos um comercial numa cidade do Piauí chamada Betânia. Lá, as crianças nunca tinham visto o Natal iluminado.
Referências culturais
Amo um “caminhão” de profissionais da publicidade brasileira, mas meus grandes gurus são o Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, que trabalhou na Rede Globo] e o André Midani. Aliás está estreando um documentário sobre o André Midani, um cara que descobriu a Bossa Nova, o Tropicalismo e o rock’n’roll por aqui.
Nesse momento, no começo, meu trabalho tinha uma relação íntima com o pop, com a cultura popular. Mas eu não tinha ainda uma organização mental para só querer isso o tempo todo.
Quando comecei a ter um salário de redator de publicidade, fui virando um avião consertado em pleno voo. Sou um caso raro de poliglota analfabeto, falo perfeitamente mal várias línguas e faço palestra em todas elas.
Adoro arquitetura, e para mim Le Corbusier era um troço. Mas não se imaginava que ele era um “se-achão”, ele não chamava assim, mas se pôs um nome [Charles-Edouard Jeanneret-Gris (1887-1965), arquiteto franco-suíço, um dos mestres de Oscar Niemeyer (1907-2012].
E eu tenho um desenho do Corcovado feito por Oscar Niemeyer, que foi feito para um evento com o Tom Jobim entre os anos 2000 e 2001. Parece que “o arquiteto” disse, ao fazer, que só mesmo o Tom Jobim para fazê-lo desenhar um Cristo.
No final deste ano eu desapareci [com voz grave, lembra o período em que foi sequestrado por 53 dias em 2002], eu dei uma sumida por bastante tempo…
Quando eu “voltei”, dois dias depois, como mencionei que havia adorado o desenho, ganhei esse desenho com dedicatória do dr. Oscar!
Sabe quem tem desenhos dele também, o Domenico De Masi [sociólogo contemporâneo italiano, autor do conceito de ócio criativo], que eu conheci em Ravello, onde fui fazer palestra e onde o Niemeyer projetou um teatro.
E lá tomei negroni com Gore Vidal [nome de pluma de Eugene Louis Vidal (1925-2012), escritor americano que viveu na Itália].
Grande Prêmio
O lugar onde a premiação acontece do Hall of Fame, o Gotham Hall, em Nova York, é realmente emocionante, construído entre 1922 e 1924.
E a cerimônia mantém a coisa ritual, é uma festa black-tie e reúne 300 convidados, uma boa parte deles ganhadores desse prêmio.
O primeiro prêmio, concedido a Leo Burnett, aconteceu em 1961, que não é um dos meus publicitários preferidos. Depois teve o David Ogilvy. Como o Hall Fame é dado a grandes figuras da propaganda e também do desgin, mais recentemente o Steve Jobs ganhou esse prêmio.
E foi legal eu ter ganho isso vivo e ativo, porque há muitos que receberam o título post-mortem ou aposentados.
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Silvio Cioffi, da Folha de S.Paulo