Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um ardiloso editorial do jornal da gente ‘posta’

Alberto Dines, vivendo a sétima década de genuíno e profundo conhecimento da imprensa brasileira, avalizou, num Roda Viva de 2012, a integridade do Estado de S.Paulo. Dines deu ao tradicional matutino os adjetivos provecto e sábio. Penso que reconheceria ainda a efetiva honestidade do órgão de imprensa. Mas caráter não blinda ninguém, não impede o olhar turvado pelas viseiras de classe social, e é um defeito desses que pretendo discutir a seguir.

O editorial do Estadão no domingo (8/3), “Confusão é tudo o que Lula quer“, por um lado confirma tal opinião sobre o jornal na medida em que, embora de oposição, não cede à campanha simplista e golpista do “Fora Dilma”. E até vai mais longe o brado à página 3, que alerta para a força amplamente majoritária da militância petista vis-à-vis o panelaço sendo convocado para levar às ruas dia 15/3 o repúdio da população. Esta diariamente toma conhecimento de escândalos de corrupção nas interfaces da Petrobras com empreiteiras, comandados de dentro do Congresso e por ministros de Estado.

O editorial prossegue atribuindo a Lula a intenção de reduzir a crise brasileira a um grande Fla-Flu das elites contra o povo. Nesse ponto há que se afastar dos referidos valores do jornal e devolver a restrição tal e qual ao acusador. Pois está efetivamente em ação nos últimos anos uma tentativa de crucificação do Partido dos Trabalhadores. O PT foi cúmplice de falcatruas dentro da maior empresa do país e tal deve ser rigorosamente punido. Porém não inova: propina em obra pública fazia parte da cultura nacional e as pessoas não se indignavam com ela, até “rouba mas faz” tornou-se justificativa difundida. É hipocrisia das elites nacionais essa postura de surpresa e escandalizada.

Inquéritos só prosperam quando o réu é o PT

Se é para ter rigor máximo nas averiguações, vem a propósito evocar episódios recentes. Um ex-diretor da poderosa Siemens admitiu, em delação premiada à Polícia Federal em 2013, haver na década passada comprado autoridades do governo paulista, especificamente o secretário de Desenvolvimento Econômico do governo Geraldo Alckmin (PSDB), Rodrigo Garcia (DEM), e um interlocutor do secretário de Energia, José Aníbal (PSDB). Isso fez parte de um conjunto de falcatruas da multinacional alemã mundo afora, pelo qual a empresa acabou incorrendo em US$ 1,4 bilhão em multas acertadas com vários países, inclusive os Estados Unidos. Mas no Brasil o inquérito instaurado foi simplesmente descartado ao chegar ao STF, que alegou falta de provas.

Outro exemplo do que sugere dois pesos e duas medidas quando se julgam os malfeitos do PT em relação a processos judiciais envolvendo outros partidos é a própria Lava Jato. A investigação capaz de alvoroçar o país inteiro, que ameaça destituir os presidentes da Câmara e do Senado, não é muito diferente de outra, a Castelo de Areia, aberta em 2009 pela PF contra a mesma Camargo Correia. Ao atingir o STJ, a Castelo de Areia foi sumariamente eliminada apenas porque partira de delações anônimas. Com tal critério aonde vai parar o combate ao tráfico de drogas?

Atribui-se a Lula, e aos sindicatos trabalhistas de maneira geral, o tentar simplória e maniqueistamente passarem por vítimas do conflito distributivo nacional, dividirem a nação em dois campos isolados, ficando num os assalariados esfolados e noutro os nababos da pecúnia. Pois eu vejo nesse diagnóstico um caso simples do que a psicologia chama projeção. Afinal estamos assistindo ao vivo e a cores: os inquéritos policiais de combate à corrupção só têm prosperado quando o réu é o PT. Que a sociedade não fique nisso.

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Xikito Ferreira é aposentado, Itacimirim, BA