Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Um ministro com fetiche midiático

Yanis Varoufakis, o enfant terrible do mundo das finanças e que ocupa o cargo mais ingrato possível: o de ministro das Finanças de um país falido e descreditado frente à comunidade internacional e aos organismos financeiros.

Na sexta-feira (13/3) foi publicada no portal da revista francesa Paris Match uma home story com Varoufakis em momentos de “privacidade”: sentado ao piano, lendo o livro Conflito Racional, à mesa servindo salada para sua mulher ou posando com ela no terraço da vila que fica no bairro mais caro de Atenas e tem vista para a Acrópoles (ver aqui e aqui).

Logo depois da publicação choveram críticas nas redes sociais. Na TV grega eleitores questionavam como, no auge da crise financeira do país, Varoufakis tomaria tempo para fazer esse tipo de entrevista. A imprensa amarela da Grécia divulgou estatística publicada o jornal alemão Süddeutsche Zeitung: de acordo com as contas meticulosas, “nos últimos 30 dias o ministro deu 40 entrevistas, especialmente na TV” (ver aqui).

“O Banco Central Europeu nos sufoca”

Com essa declaração à TV grega, o ministro das Finanças tornou público o que acha do BCE que, para inglês ver, afirma ter autonomia mas segue com rigidez a política ditada por Angela Merkel, a principal inimiga do povo grego; além de semanalmente desafiar o ministro alemão das Finanças Wolfgang Schäuble, o braço direito, o laranja e pau para toda a obra de Angela Merkel.

Perguntado pelos repórteres alemães sobre o seu relacionamento com o ministro, Varoufakis provocou: “O ministro Schäuble me disse que eu perdi a confiança do governo alemão. Eu simplesmente retruquei que essa confiança eu nunca tive”.

O regozijo da imprensa marrom

Para o êxtase midiático, para o filme pérfido, Varoufakis sempre entrega o roteiro. Não há uma semana na mídia alemã em que uma frase ou uma declaração do ministro grego não encha páginas e páginas dos jornais gerando polêmica e passando ao largo do real problema e, dessa forma, desestruturando o papel do jornalismo.

Antes da aprovação do novo pacote para a Grécia, o tabloide Bild iniciou um campanha agressiva no seu portal: “Nenhum euro a mais para esses gregos abutres”. Na campanha, o tabloide instigava os leitores a fazerem um selfie em que se posicionassem pela palavra de ordem “Não mais um pacote de resgate financeiro para a Grécia!” – isso dias antes de a medida ser aprovada no Parlamento, o Bundestag, no dia 27 de fevereiro (ver aqui).

Cartão vermelho para o tabloide

A Associação Alemã de Jornalistas (DJ, na sigla em alemão) exigiu o fim imediato da campanha, acusando indiretamente o Bild de tentativa de manipulação. Segundo o diretor Michael Konken, o tabloide fazia uma campanha com o intuito de obter influência direta na decisão do processo político, e isso “vai de encontro ao papel do jornalismo” (ver aqui).

Tradição midiática domingueira

A noite de domingo na Alemanha tem uma longa tradição. Às 20h, o jornal Espelho do dia é exibido em rede pública nacional. Às 20h15, é o horário sagrado da série de crimes intitulada Tatort (“Local do crime”, em tradução livre), que há 50 anos acompanha gerações e tem o valor emocional e cultural como uma novela das nove no Brasil.

Depois desse ritual midiático segue-se outro, não tão tradicional, mas existente na Alemanha desde a metade dos anos 1990. O formato denominado de Polit-Talk é praxe nas noites de domingo às 21h45. Seu âncora é Günther Jauch, que por nenhum acaso trabalha tanto no conglomerado de emissoras da TV aberta ARD como na RTL, TV a cabo. Jauch é o homem mais poderoso da mídia alemã e no momento não precisa temer concorrentes.

Pela incapacidade de conduzir um programa de cunho político, para que no final telespectadores e convidados saiam enriquecidos, não vale a pena assistir ao programa. Na noite de domingo (15/3), entretanto, valeu a pena fazer uma exceção (ver aqui).

Varoufakis na cova dos leões

O ministro grego das Finanças foi o convidado a participar no programa de domingo. Isso na mesma semana em que o premiê grego Alexis Tsipras, elevando ainda mais o mal-estar reinante entre Atenas e Berlim, exigiu uma indenização milionária da Alemanha pela Segunda Guerra Mundial e, em contrapartida, propôs-se a disponibilizar acesso aos arquivos de documentos relevantes sobre os crimes do exército nazista durante a ocupação da Grécia.

Por meio do porta-voz Stefan Seibert, o governo alemão informou que “todas as pendências jurídicas e políticas desse assunto estariam resolvidas”.

Perguntado pelo apresentador, se concorda com a reivindicação do premiê grego, Varoufakis, respondeu: “Não é primeiramente uma questão financeira, mas uma questão moral. Eu vejo uma grande necessidade de colocar, de uma vez por todas, uma pedra nesse assunto. O povo grego vê da mesma forma. O que eu não concordo é dar esse caso como resolvido”.

A aparição de Varoufakis no programa de TV não trouxe nenhuma clareza para o verdadeiro conflito financeiro e ideológico que se apresenta diariamente desde a posse do novo governo grego, em janeiro último. Ele zelou pela forma e se lixou para o conteúdo. O telespectador foi degradado ao papel de um voyeur que tem uma hora para observar o inimigo, mas sem conseguir juntar um perfil do objeto observado. Varoufakis se mostrou diplomático, dissimulou e desconversou, ratificando percepção de “imprevisível” que goza na Alemanha, especialmente junto aos políticos de partidos de centro e centro-direita. Nos próximos encontros entre políticos do governo dos dois países, seja em Bruxelas ou em Berlim, poderemos vislumbrá-lo, de novo, no papel de voyeur, o verdadeiro Varoufakis: polêmico, dissimulado e sempre com um discurso ideológico de um mundo melhor, na ponta da língua.

No final do programa, o apresentador ressaltou a longa amizade entre Grécia e Alemanha. “Moramos na mesma casa (Europa)”, declarou Varoufakis.

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Fátima Lacerda é jornalista freelance, formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988; autora do blog “Todos os caminhos levam a Berlim”, no Estadão.com