Quando os holofotes da mídia se voltam para uma personalidade, por questão relevante ou por interesse coletivo, projetando dela atitudes censuráveis ou rejeitáveis, seus efeitos, por acumulação, intensidade e ubiquidade, acabam alterando, em maior ou menor grau, a formação da opinião pública sobre essa personalidade. Vista como fenômeno de comunicação, a recente rebelião das massas contra a presidente Dilma Rousseff, pode e precisa ser avaliada sob a ótica das teorias de comunicação de massa.
Na imensidão de estudos da comunicação nos principais centros acadêmicos do mundo, ao longo do século 20 até os dias atuais, desde a Escola de Chicago (Herbert Blumer, William Thomas, Robert Park, Robert Mckenzie, John Watson, James Rowland), passando pela Escola de Frankfurt (Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Friedrich Pollock , Erich Fromm , Jürgen Habermas), Escola de Birgminghan (Richard Hoggart, Raymond Williams, Edward Thompson, Stuart Hall), Escola Francesa (Georges Friedmman, Edgar Morin, Roland Barthes), até a Escola Canadense (Marshal McLuhan, Harold Innis, James Grunig, Pierre Lévy e Derrick de Kerchove), pelo menos duas teorias ajudam a entender o fenômeno das manifestações contra a presidente Dilma: uma é a do Agendamento Setting (Bernard Cohen, Walter Lippmman, Maxwell McCombs, Donald Shaw) e a outra é a da Espiral do Silêncio (Elisabeth Noelle-Neumann, John Locke, Antonio Hohlfeldt, Alexis de Tocqueville, Luiz Martino).
De acordo com o agendamento setting, a mídia determina a pauta para a opinião pública. Formulado por Bernard Cohen em 1963, este é o seu fundamento:“Na maior parte do tempo, [a imprensa] pode não ter êxito em dizer aos leitores como pensar, mas é espantosamente exitosa em dizer aos leitores sobre o quepensar.” Os meios de comunicação, sobretudo com o alcance da televisão, souberam nos últimos meses dizer aos brasileiros sobre o que pensar: falsidade da presidente Dilma e sua cumplicidade com o Petrolão. Eles não convocaram os brasileiros às ruas, papel cumprido pelas redes sociais, mas os brasileiros pensaram e reagiram indo às ruas protestar.
Já a Espiral do Silêncio, lançada nos anos 1960, segundo a mãe dela, cientista política alemã Noelle-Neumann, da Escola de Frankfurt, baseia-se no seguinte: As pessoas têm um sexto-sentido que lhes permite saber qual a tendência da opinião pública; e as pessoas têm medo de serem isoladas socialmente se expressarem as suas opiniões minoritárias. Por exemplo, expressar apoio a Dilma, hoje sob alta descrença e desconfiança geral, é uma temeridade, sendo melhor silenciar para evitar críticas e represálias.
Assim, conforme Noelle-Neumann, quanto mais uma pessoa acredita que a sua opinião sobre determinado questão ou personalidade está mais distante da opinião pública julgada majoritária, maior é a probabilidade de que essa pessoa evite expressar a sua opinião em público. Daí surge a Espiral do Silêncio.
No pântano da corrupção
No caso da rebelião das massas contra a presidente Dilma, o fenômeno aconteceu invertido. Ela tinha uma maioria favorável até a reeleição. Com as primeiras medidas anunciadas para o novo governo – reversão do preço da energia, cortes de benefícios sociais de aposentadorias e seguro-desemprego, reajuste dos combustíveis e aumento de impostos – tudo ao contrário do que ela havia prometido em campanha, veio a decepção. Com ela, grande frustração e muita indignação.
Seus eleitores juntaram-se aos demais brasileiros e começaram a achá-la mentirosa (47%), desonesta (54%) e falsa (50%). Virou traidora. Por isso, sua aprovação, após a eleição, caiu para 42%. Com a intensa divulgação do Petrolão, maior escândalo de corrupção da história do Brasil, superior ao Mensalão do governo Lula, Dilma passou a ser, no mínimo, cúmplice da corrupção. Sua aprovação caiu ainda mais em fevereiro de 2015 para 23%.
Pela teoria de Noelle-Newumann, os meios de comunicação de massa cumprem papel essencial no estabelecimento da “Espiral do Silêncio”, na medida em que formatam a opinião pública. As pessoas que não concordam com a opinião pública formatada pelos meios de comunicação entram numa “Espiral do Silêncio” constituindo uma “maioria silenciosa”. Daí o termo.
Depois da revelação de que a campanha eleitoral de Dilma foi abastecida por milionárias propinas da Petrobras, contabilizadas como doações legais, a maioria que lhe era favorável lavou as mãos e sua aprovação caiu em março para 13%, sendo rejeitada por 62% dos brasileiros. Resumo: milhões de brasileiros que estavam ao seu lado, começaram a ter medo de isolamento social por defenderem o indefensável e mudaram de margem do rio passando para a margem da oposição derrotada na eleição.
Dessa forma, completados apenas três meses do novo governo Dilma, vencedores e derrotados na campanha presidencial sentem-se igualmente vítimas de estelionato eleitoral. Com isso, a oposição virou maioria, com sentimento de revolta e manifestação barulhenta, gritando “Fora Dilma” e “Fora PT” nas ruas do Brasil. E, agora, a tendência é a minoria de 13% da Espiral do Silêncio ficar cada vez menor, mais isolada e mais fraca enquanto estará cada vez maior, mais solidária e mais forte a Espiral do Barulho exigindo fora do poder quem está atolando o Brasil no pântano da corrupção.
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Jota Alcides é jornalista e escritor