Kenneth P. Serbin, diretor do Departamento de História da Universidade de San Diego (EUA) e ex-presidente da Associação de Estudos Brasileiros (AEB), tem uma visão confusa da história recente. Ele fala em ‘saída conciliatória’ que resultou na Constituição de 1988 no Brasil. Para Serbin, o regime militar e os revolucionários tinham em comum a visão do país como uma grande nação. Fala dos 40 anos da guerrilha da Ação Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) que seqüestraram o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. Depois, acrescenta:
‘Nessa ocasião, eles pensaram que hoje o Brasil seria uma das democracias mais estáveis e uma das economias mais fortes do mundo.’
Para o norte-americano acreditar em tais coisas, o nosso país, naquele tempo, tinha dois extremos: um sistema socialista (tipo Cuba, de Fidel Castro) ou um regime militar apoiado (como sempre foi sustentado pelos Estados Unidos) diante do dilema de cercear a influência da URSS de Stalin.
Estranho que Serbin não tenha falado dos crimes de Stalin e demais regimes controlados pela URSS e nem dos regimes criminosos apoiados pelos EUA.
Historiador ou cientista político, é esse tipo de gente que escreve na mídia, levando as nossas gerações (da década de 70 do século passado até hoje) a se alienarem e esperarem que direita e esquerda não ortodoxas são democracias, mas na verdade são sistemas para que pequenos grupos civis e militares mantenham o controle do poder.
Um encontro secreto
Vinte mil mortos na Guatemala, 15 mil mortos na Argentina, de 5 a 10 mil mortos desaparecidos e o assassínio de Salvador Allende no Chile. Falam pouco do holocausto de 6 milhões de judeus vítimas de Hitler e milhões de mortes na Ásia, na URSS e na China. Fala sempre de ‘saída conciliatória’. E as ditaduras brasileiras ou simples ações contra desordeiros ou jagunços, como a guerra dos Farrapos, os jagunços de Antônio Conselheiro, o mais do mais em centenas de países. Como se denominariam esses movimentos? ‘Saídas conciliatórias?’
No Brasil, oficialmente, fala-se em 400 mortos, desaparecidos e assassinados, como o capitão Carlos Lamarca, Carlos Marighela, Joaquim Ferreira Câmara, Virgílio Gomes da Silva (Jonas). Só para citar os mais notórios. ‘Saída conciliatória’? Cerca de 25 mil ou mais (inclusive o presidente Lula) foram indenizados no Brasil e recebem salários eternos. E os guerrilheiros da Serra da Canastra e do Araguaia, cujas famílias esperam pelo menos o atestado de óbito? E aqueles que foram mortos, como o jornalista Flávio Ferreira da Silva (ex-Diário de Minas e ex-Diário da Tarde) que teve o mandato cassado em Três Marias e foi assassinado em Belo Horizonte de forma misteriosa? Ao que se sabe, de Flávio Ferreira consta apenas notícia do assassinato na Comissão de Direitos Humanos ou Procuradoria da República em Belo Horizonte. Mais nada. A família de Flávio quer saber pelo menos se houve apuração do caso.
Dos crimes e exílios da ditadura Vargas (1937-1945) ninguém fala, nem que os escritores, ensaístas e intelectuais participantes do Movimento Modernista, como Carlos Drummond de Andrade (chefe de gabinete dez anos do ministro Gustavo Capanema), reina o mais absoluto silêncio. Gente, todos eles – e Mário de Andrade – apoiaram uma ditadura tão feroz como a ditadura militar de 1964.
Serbin diz que Marighella manteve um encontro secreto com o general Afonso Augusto de Albuquerque Lima, um dos chefes da linha-dura que apoiaram o AI-I (1964) e o AI-5 (1969), que fizeram misérias, matando companheiros como Juarez Guimarães (MG), Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho (SP).
Mercado sem regulação é criminoso
Os historiadores ligados ao extinto PC de Luiz Carlos Prestes sabem disso? Confirmam que houve o encontro Marighella/general? Qual o motivo do encontro entre os dois? Quanto ao texto de Serbin, ‘os dois lados tinham muito mais em comum do que queriam admitir’. Faça-me o favor! Ou eu não sei nada do Brasil ou o cientista político norte-americano Serbin é muito imaginoso. O Brasil não virou grande potência e mal consegue 1,3% do PIB mundial.
O que sabemos hoje é que a Carta Magna de 1988 nasceu de uma grande transação entre as forças de oposição, sob o guarda-chuva do PMDB e o Centrão conservador/direitista. O mesmo arranjo que existe hoje sob a chefia divinizada do atual presidente da República.
O Brasil continua um país desigual que abriga 5 mil famílias controlando 45% do PIB nacional, como disse na revista Le Monde diplomatique Brasil (LMDB – outubro de 2007) o economista Márcio Pochmann: ‘Brasil – O país dos desiguais – os 10% mais ricos detêm ¾ da riqueza nacional. O dinheiro reside em 4 cidades’ (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte).
É tempo de os grandes jornais (são apenas 4,9 milhões de exemplares diários para uma população de 190 milhões de habitantes) abrirem um debate para esclarecer as questões duvidosas e tendenciosas aqui citadas. Fernando Henrique Cardoso, Lula, Sarney, Barbalho, Calheiros, Collor e outros velhos e novos coronéis são dispensáveis. Deles, o povo já sabe tudo. Queremos cientistas políticos e historiadores competentes e honrados contando a nossa história de 1960 até hoje. Esquerda, direita, liberais, conservadores, que todos possam falar. E não se esqueçam: o Brasil nunca teve liberdade de imprensa. Duvidam? Que leiam os Dez Princípios da Ata de Chapultepec, de 1994. Lá não se encontra nenhum artigo que garanta a livre expressão do pensamento e o direito de resposta. Atenção: a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) é um órgão sabidamente representativo do patronato. Ou eu estou mentindo? Para encerrar: o mercado sem regulação estatal é criminoso. O dinheiro, nem se fala. Dele dizia Santo Agostinho: ‘Se alguém não tem prova da existência do diabo, eu tenho uma: o dinheiro.’
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Ex-presidente do Sindicato dos jornalistas de Minas Gerais (1975-1978) e co-autor do Código de Ética do Jornalista Brasileiro (1985)