Já não mais convence dizer que a alienação política e os desmandos de governos são resultantes da falta de conhecimento dos atos e fatos políticos por parte da população. Alguns anos atrás essa era a desculpa apresentada por significativa parcela da esquerda brasileira. Esse era o discurso oficial da UNE que, ocupando a maioria dos Centros Acadêmicos, dizia que a falta de informação e de transparência dos bastidores do poder era o problema-chave do descaso do cidadão. Mas até nisso a esquerda estava errada.
Primeiro, a ‘falta de informação’ sobre o curso político do país não é mais razão suficiente para entender o silêncio do cidadão diante da corrupção que tem assolado o cenário político brasileiro na atualidade. A esquerda marxista dizia que a massa era ‘burra’ e que se ela não buscasse ‘saber mais’ sobre as questões de ordem política, as coisas no país tenderiam a permanecer nas mãos dos coronéis políticos e das oligarquias do poder. Mas o mensalão foi descoberto e o país inteiro ficou sabendo, a TV Câmara teve os maiores índices de audiência no percurso das CPIs do PT e companhia – e o cidadão permaneceu imóvel.
Uma das explicações (e não uma justificativa): o descrédito do cidadão para com a política está na banalização da verdade levada a cabo pelos envolvidos em corrupção (e que continuam no poder). Parte do descaso para com a política nasceu de expressões do tipo ‘eu não vi nada, eu não sei de nada’, ditas inicialmente por José Dirceu e Antonio Palocci, e depois repetidas incansavelmente por todos os envolvidos no mensalão. Tal repetição fez com que a verdade e o óbvio perdessem força de validade nas apurações que se seguiram. O refrão ‘eu não sei de nada’ virou frase de efeito neste governo, utilizado pelos figurões investigados por desvios de verbas, recebimento de propinas etc. Isso levou muitas pessoas a ficarem apáticas com a política e com os políticos. Hoje, até o que a mídia séria divulga sobre essas pessoas tende a cair na apatia.
Chute inicial está dado
Desde o desencadear da crise do mensalão, depois das absolvições em massa na Câmara, outros enunciados de efeito começaram a passar como certos, com alto poder de munição até contra a impressa, como a máxima que diz que ‘opinião pública’ é diferente de ‘opinião publicada’.
Esses refrões, na forma de frases feitas, têm conseguido contaminar a credibilidade nas manchetes políticas de jornais, colocando-as no mesmo nível das falas dos ‘fofoqueiros’. Agora, para muita gente, falar da vida representada em novelas pelas estrelas de TV tem mais força de verdade que a realidade brasiliense, se vista sob a perspectiva da notícia política. A sensação é a de um apagão de consciência como resultado da naturalização da mentira, levada a efeito por muitos corruptos.
Vejam, o presidente Lula confundiu o 1º de setembro com o 1º de abril e teve a coragem de dizer: ‘Ninguém tem mais ética e moral do que o PT’, no encontro de seu partido. Deu até para pensar na hipótese de ele não estar sóbrio quando disse isso!
Mas é de fato um descaso com a diferença existente entre a verdade e a mentira. E se há algo mais grave que a banalização da verdade é a banalização da mentira: a única coisa que está faltando é Renan Calheiros chegar diante das câmeras de TV e dizer: ‘Eu não sou o Renan’ e, pior, a oposição presumir que precisa esperar que o STF decida sobre a verdade do enunciado.
Mas agora parece que o chute inicial está dado. A decisão do STF de colocar os 40 participantes do mensalão na condição de réus deve repercutir no caso Renan e significar um início de consertos. É uma pena, no entanto, que as boas intenções dentro do STF podem levar anos.
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Mestre em filosofia política pela UFG e professor de Filosofia no curso de Jornalismo da Universidade Católica de Goiás e da Alfa