Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A Band na SP Indy 300

No sábado (13/3) à tarde liguei a TV para saber das notícias da corrida SP Indy 300 que seria realizada no domingo, em São Paulo. Fiquei surpreso ao ver as imagens, as legendas na tela, a fala de Luciano do Valle, e uma total incongruência sobre o que era mostrado e o que era dito naquele momento.


Na tela, mostravam-se imagens de carros experimentando o circuito durante os treinos de sábado, deslizando no liso asfalto e batendo contra os muros, carros deslizando em plena reta, indicando uma inadequação significativa do piso do circuito para a aderência necessária aos pneus dos carros.


Além disto, mostrava-se uma escarificadora de asfalto escarificando o piso novinho, para que se criassem os grooves necessários para garantir a aderência, apenas a algumas horas antes do início da corrida. Imaginei a poeira toda sendo levantada pela máquina.


Na tela, mesmo mostrando a escarificadora em pleno trabalho e imagens de carros deslizando e batendo, uma legenda dizia: ‘Circuito aprovado, tudo certo para a Indy 300 em São Paulo’. Como se esta confirmação não fosse necessária pelo menos um mês antes da prova.


Sem problemas…


Luciano do Valle bradava orgulhoso que o brasileiro sempre dava um jeito em tudo, elogiando a escarificadora criando os grooves no dia anterior à corrida e estragando o asfalto liso recém confeccionado para a prova e o piso de concreto do Sambódromo.


A incongruência entre as imagens e a fala de Luciano do Valle lembravam-me o filme Bom dia Vietnã, com canção fundo de Louis Armstrong – ‘What a wonderful world’ – e as cenas de soldados mutilados, sofrendo, morrendo, numa conjunção irônica contrastante entre som e imagem, ironia esta intencional e crucial para o diretor do filme, realçando o horror da guerra e o contraste com a letra da música.


Mas no caso da reportagem da Band, poderíamos imaginar maior incongruência do que mostrar as imagens de carros batendo, do piso novinho sendo ranhurado ( para não dizer estragado) e da legenda ‘Circuito aprovado – tudo OK para a prova de amanhã’?


Ok, está certo que a SP Indy 300 parece não ser muito exigente assim com a questão de agendamento e horário, pois a organização do evento aceitou realizar a prova naquelas condições absolutamente improvisadas.


Luciano do Valle chegou a dizer que os engenheiros brasileiros são bons mesmo exatamente por isso, reconhecidos internacionalmente pela capacidade demonstrada na construção civil etc., etc., e esta fama justificaria a capacidade de improvisar a toque de caixa para resolver o problema da falta de aderência: bastava estragar um pouco o liso e bonito piso de concreto, o asfalto novinho, ou mesmo o piso do Sambódromo. E se ficar ruim para outros eventos, depois a gente conserta de novo, sem problemas. Afinal, o engenheiro brasileiro é bom nisso. E no ano que vem, caso ocorra novamente a corrida, como confirmado pelo governador de São Paulo em entrevista à rádio Band, estraga-se de novo e conserta-se de novo. Simples assim.


Chamada pretensiosa


Já que falamos de perícia dos engenheiros, apesar dos altos prêmios aos participantes, sabemos que a Indy é uma categoria onde os pilotos não são necessariamente atletas e peritos como é exigido na Fórmula 1, já que num passado recente pudemos ver pilotos de Fórmula Indy que eram aposentados de outras categorias, alguns até barrigudos (para não dizer obesos), avô piloto participando das corridas com neto também piloto etc. Não parece ser uma categoria exigente em segurança mesmo. Nos circuitos ovais, os pilotos não precisavam mais do que habilidade de sentar num brinquedo de parque tipo chapéu mexicano, rodando sem parar. Bastava não ter enjôo. Daí talvez porque se via avôs e netos correndo na mesma corrida.


O novo circuito de São Paulo (leia-se Marginal Tietê ) ganhou uma curva batizada com nome interessante: ‘S do Samba’. No sábado, muitos sambaram naquela curva. No domingo também – e como. Já na primeira curva da prova, muitos pilotos sambaram por lá, e quase que um deles ficou sem cabeça.


Tal era o improviso e a inadequação do circuito que o treino de classificação para a largada somente foi realizado na manhã do domingo (14), dia da corrida, já que no sábado a inadequação do piso não permitiu que os carros ficassem na pista o suficiente para se estabelecer uma classificação criteriosa.


Os pilotos saíram dos carros do treino classificatório do domingo e praticamente já se posicionavam para a largada. Não deu tempo nem para um lanche… O que talvez nem fosse indicado nesse caso, tal era a ondulação da pista e o previsível mal estar e enjôo pelo fato de estarem de barriga cheia e chacoalhando.


Outro comentário interessante de Luciano do Valle durante a transmissão: ao ver que alguns carros batiam e depois iam para o box trocar as peças quebradas, Luciano disse que isso é o que diferenciava a Indy, pois os carros batiam e podiam ser consertados para que os pilotos continuassem a corrida, insinuando que na Fórmula 1 os carros batem e não podem ser consertados, sugerindo que a Fórmula 1 é pior por este motivo. Ele usou o termo ‘mais robustos’ para se referir aos carros da Indy, ignorando que na Fórmula 1 os carros são projetados para se desintegrarem em caso de batida e preservar o cockpit e o piloto, com segurança.


Parecia uma chamada pretensiosa, do tipo: assistam à Fórmula Indy, muito mais interessante que a Fórmula 1. Ou mesmo: assistam à Band, muito melhor que a Globo.


Pura sorte


Apesar de ter sido possível constatar ‘abraçadeiras de nylon’ fixando o alambrado em partes do circuito pelas imagens de algumas câmeras, a qualidade em geral das imagens de muitas outras câmeras era absolutamente sofrível. Algumas não apresentavam imagens nítidas, totalmente sem contraste, sendo impossível identificar o que estava sendo mostrado.


Enfim, a corrida aconteceu e, para minha surpresa, com muito menos acidentes do que era o esperado naquelas condições de absoluto improviso e inadequação. A chuva atrapalhou (ou ajudou a refrescar, sei lá), mas como acontece na Indy parece que não há favoritos. Um inesperado foi o vencedor.


Ao final, já ouvindo o rádio sintonizado na Bandnews FM, ouvi o governador de São Paulo declarando que a prova foi um sucesso, e que havia sido determinada e acertada a realização de provas semelhantes nos anos vindouros, no mesmo local. Na mesma Marginal Tietê. Eu não passaria esse cheque em branco, ainda mais depois do que vi na reportagem da Band.


Se há algo que o jornalismo da Band me passou com relação a SP Indy 300 no Sambódromo e na Marginal foi o seguinte: não repitam isso, pois se ninguém morreu desta vez foi por pura sorte e por ajuda da chuva, que parou a corrida por algum tempo.


What a wonderful world!

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Engenheiro, São Paulo, SP