Quem é o público-alvo das revistas femininas – a mulher liberada, intelectualmente privilegiada e que se orgulha de suas conquistas profissionais, ou a mulher fútil que não mede sacrifícios para se manter eternamente jovem e bonita?
As revistas femininas vivem, desde seus primeiros tempos, um enorme conflito: ao mesmo tempo em que querem levantar a auto-estima das leitoras, mostrando que as mulheres têm direitos iguais aos dos homens, que são sucesso na carreira e que podem tudo, insistem em dar fórmulas mágicas de tratamentos que garantem beleza e juventude eternas, como se manter-se bonita fosse a única preocupação da leitora.
E, nessa busca da conciliação, acabam virando um catálogo de preços de produtos que prometem beleza instantânea, embora de curta duração. Afinal, os anunciantes precisam continuar vendendo seus produtos… e, para isso, comprando espaço nas revistas.
Se você não acredita, confira duas matérias de beleza das revistas femininas de abril. Em Uma, um longo artigo dedicado ao botox mostra que o produto movimenta 70 milhões de reais por ano no Brasil e revela nada menos do que 17 pontos do corpo que podem receber uma aplicação do produto: literalmente da cabeças aos pés. E em Claudia, que já se orgulhou de ser a bíblia das donas-de-casa, uma das chamadas de capa anuncia 65 transformações de beleza, para quem não precisa de cirurgia plástica.
Doença contagiante
Matérias de ‘antes e depois’ sempre foram sucesso de pauta em revistas femininas. Mas, em outros tempos, resumiam-se a mostrar um corte de cabelo ou uma maquilagem diferente.
Agora, a conversa é bem outra. Ainda aparecem os cortes de cabelo e maquilagem, que, de tão mostrados, nem causam impacto. O que fascina as leitoras são os procedimentos médicos: aplicação de botox para aumentar lábios (800 reais), drenagens linfáticas para combater celulite (20 sessões a 70 reais cada), peelings para remover manchas (320 reais), preenchimento de rugas com botox (de 800 a 2.500 reais) e por aí afora. Os profissionais que oferecem o serviço devem ficar rindo de alegria cada vez que uma revista feminina vai para as bancas: se 1% das leitoras aceitar a sugestão, eles estão com a vida ganha, já que, além do preço, as revistas dão nome e sobrenome de quem faz o serviço.
Como mostrou um programa de Oprah Winfrey no GNT (canal 41 da Net), essa história de tratamentos de beleza acaba virando doença. Mulheres que começam com uma pequena correção acabam virando freguesas de caderno. Começam com um peeling, continuam com uma aplicação de botox e seguem indefinidamente, porque sempre há algo a melhorar.
Vencidas pelo cansaço
O grande problema não é mostrar o que pode ser melhorado. O drama mesmo é a propaganda subliminar. Ser humano algum, por mais forte que sejam suas convicções, consegue resistir ao apelo de se tornar mais bonito. O que dizer então de mulheres pressionadas diariamente pela mídia mostrando modelos e atrizes que, do alto do seu sucesso, consomem os mesmos produtos? Se é bom para a Gisele Bündchen tem que ser bom para a Marianinha do sertão brasileiro.
Como se não bastassem as revistas, a televisão parece ter descoberto um novo jeito de garantir audiência: shows que transformam patinhos feios em glamourosos cisnes. E nessa área tem de tudo. De programas menos drásticos, como os que ensinam a se vestir bem sem dietas ou exercícios, aos exagerados como o Extreme Makeover, apresentado no horário nobre de domingo da Sony (canal 49 da Net). Os escolhidos são sempre pessoas simples, inseguras e infelizes, que se submetem a tratamentos exaustivos – e certamente caríssimos – que resultam não numa pequena melhoria, mas numa perda total de identidade. Dentes, olhos, pele, corpo, cabelos e tudo mais que puder se mexido vai merecer atenção da equipe do programa. E, no fim, o patinho feio – ou apenas um ser humano médio normal – sai transformado numa outra pessoa. Se a vida da criatura vai melhorar não importa. O que interessa é vender ilusões… e garantir audiência. Como o programa continua no horário nobre, deve estar fazendo sucesso.
Se a televisão, as revistas e os jornais falam tanto de beleza, se os programas femininos e as revistas especializadas não se cansam de tratar do assunto, as leitoras acabam achando que estão desatualizadas se não fizerem ao menos uma aplicação de botox.
E o que mudou na vida?
Se a mídia – que tem como funções informar e formar – é a primeira a endossar os procedimentos mágicos como solução para tudo, o que esperar de espectadores e leitores? Se está na revista, se os jornalistas escreveram, mal não deve fazer. Se houvesse contra-indicações, certamente a imprensa diria, pode pensar a leitora. Mas claro que há contra-indicações e efeitos colaterais.
As leitoras merecem ver, nas revistas femininas, matérias falando dos efeitos colaterais do bronzeamento artificial, num momento em que se recomenda tanto o uso de protetor solar para ir à praia. Merecem saber o que acontece com uma pessoa que aplica botox a cada três meses – além de ficar com aquela falta de expressão que se vê em algumas atrizes. E também o que acontece com mulheres que apresentam rejeição ao silicone aplicado no seio e, principalmente, como fica o seio quando é preciso tirar o silicone.
Mas gostaria de saber, principalmente, o que mudou na vida das mulheres, no seu nível de felicidade e realização pessoal, depois de se submeter aos custos – emocionais, físicos e financeiros – dos tratamentos mágicos mostrados na imprensa especializada. Se, ao recomendar soluções, as revistas também mostrassem as possíveis conseqüências, estariam mais próximas de prestar o serviço a que se propõem – o de dar informação com responsabilidade.
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Jornalista