Uma reportagem da Rede Globo Nordeste, que ganhou online o título ‘Especialistas alertam para mau uso da internet‘, mostrou aqueles que seriam o mau e o bom uso da internet pelos brasileiros. O mau uso seria aquele centrado em banalidades – fuxicos em sites de relacionamentos, fotologs, bate-papos, sites de banalidades em geral; o bom, por sua vez, seria a procura por sites de empregos e a busca por conhecimento útil e resolução de curiosidades. Mas o bom da internet é só isso mesmo – procurar trabalho, obter conhecimentos bons de encher currículos e, às vezes, matar a curiosidade?
Quem usa a internet com bom proveito, sabe que ela é muito mais do que isso que a Globo Nordeste falou. Saberá também, ao ver a reportagem, que a emissora omitiu pontos importantíssimos, como a leitura de blogs e sites de mídia alternativa e opinião crítica e a discussão de assuntos sérios nos mesmos sites de relacionamento criticados. E incorreu num reducionismo que transforma a internet em mera ferramenta conservadora a serviço do mercado de trabalho e aliena-a da notável função de prover troca de conhecimento intelectual e científico.
A Globo, na primeira metade da reportagem, mostrou de forma adequada, ainda que resumida, aquele lado mais fútil da internet, que é o uso de sites de relacionamento para fins banais como postar fotos pessoais, bater papo e entrar em comunidades de pessoas que, por exemplo, pensam coisas como ‘A fila anda’ ou ‘Deus me disse: desce e arrasa!’ Em seguida, falou do que poderia ser feito para se tirar bom proveito da rede mundial.
Conceito de educação
Esse melhor lado da internet, no entanto, foi severamente encolhido. Quando se esperava que se falasse do lado formador de cidadãos pensantes do sistema, a emissora confirmou que esperar isso é esperar demais de uma empresa de comunicação que gosta do status quo atual, de pessoas materialistas, despolitizadas, desprovidas de senso crítico, escravas do deus dinheiro.
Pois bem, o lado bom da net para a Globo não passa de procurar empregos, entrar em sites que melhoram o aprendizado de idiomas estrangeiros e aprender coisas. Aliás, esse último ponto, o de aprender, não é o aprendizado que forma, mas aquele que meramente informa e apazigua curiosidades, tal como uma escola tradicional faz.
A Globo Nordeste deixa a entender que educar-se na internet não é abrir-se a todo um universo de conhecimento edificante – científico, político, social, antropológico, filosófico, ético, ambiental etc. –, o qual inclui discutir e trocar essas ideias que formam cidadãos, ambientalistas, veganos, céticos, enfim, toda uma gama de pessoas que contribuirão para um mundo melhor e uma humanidade mais racional. Mas sim, o já dito – saber coisas não tão relevantes e obter conhecimentos que serão úteis para encher currículos e cair em concursos públicos.
Conservadorismo e despolitização
Omitiu-se também a facilidade de se informar em blogs e sites de mídia alternativa e conhecer opiniões e pontos de vista que jamais seriam conhecidos na televisão. Também, pudera, porque divulgar essa propriedade da internet seria um tiro no pé para a TV, já que convém a ela que não haja a verdadeira liberdade de informação, com a possibilidade de se olhar os dois lados dos mais diversos problemas sociopolíticos, mas sim, que a população esteja atada ao ponto de vista do jornalismo televisivo e dos jornais, o qual, já sabemos, não tem nada de imparcial.
A lição que se tira dessa reportagem é que quem hoje manda na TV não quer que a internet seja usada com bom proveito em seu poder máximo, e sim, deseja que ela seja utilizada para o mecânico fim de aprendizados curriculares e procura de emprego. Não conte com a televisão se quiser saber sobre como a rede mundial pode formar cidadãos, pensadores e ativistas por um mundo melhor porque ela só ensinará como a mesma pode ser utilizada de forma conservadora, despolitizada e longe de qualquer provimento de intelecto e senso crítico.
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Estudante de Ciências Sociais, Recife, PE