Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A censura pune um ‘torcedor’

Era o dia 28 de junho 2006, jogavam-se as oitavas de final da Copa do Mundo de futebol. Aos 91’ do jogo entre Itália e Austrália, o placar era de 0x0, o que desclassificaria a azzurra. Grosso entrou pela esquerda, superou Neill e foi derrubado. Um comentarista de televisão não resistiu e começou a gritar ao microfone: ‘Pênalti! Pênalti! Pênalti! Grosso conseguiu, conseguiu! Facchetti, Cabrini, Maldini, as suas almas entraram-lhe dentro!’ Toti converteu a falta em gol aos 95’ e o mesmo comentarista, com mais entusiasmo ainda, continuou: ‘Goooooool! Terminou! Longa vida para a Itália!… Australianos, voltem para casa! Adeus. Viva a Itália! É a vitória dos italianos Grosso, Canavarro, Zambrota, Buffon, Maldini e de qualquer um que ame o futebol italiano!’

Tudo seria fácil de entender se essa desesperada torcida fosse feita por um ‘Galvão Bueno’ italiano, mas não foi bem assim. O protagonista do fato é o jornalista chinês Huang Jianxiang (40), na época da televisão estatal Cctv, a qual o puniu imediatamente, proibindo-o de transmitir a partida entre Alemanha e Itália.

As palavras de Huang foram logo transmitidas via internet para o mundo com grande alegria para os italianos, mas na China poucos gostaram. Inicialmente, ele foi criticado, depois ‘encostado’ e, no final, teve que procurar outro emprego.

O gogó do Pavarotti

Paulo Salon, enviado do Corriere della Sera, foi até Pequim e conseguiu encontrá-lo, num bairro distante do centro da cidade. Foram a um bar e, logo à entrada, Huang foi reconhecido pela garçonete que, com um sorriso, lhe disse: ‘Gosto muitíssimo de seu programa.’ Em troca, ganhou um autógrafo.

O chinês explicou que agora ele tem um talk show no canal via satélite Phoenix Tv, que se ocupa de vários esportes, mas sente falta das transmissões de futebol ao vivo, que não existem no país.

Ele tem consciência de ter mudado o curso das transmissões televisivas de esportes na China. Atualmente, é uma pessoa conhecida no mundo, mas não sabe explicar o que lhe aconteceu aquele dia: ‘Eu quebrei um tabu. Para mim, é difícil agora dizer como a coisa aconteceu, sei somente que foi uma enorme emoção.’ Sobre ter perdido o emprego, diz: ‘Por um longo tempo, a Cctv não teve coragem de me parar. A não ser Itália e Alemanha, conduzi a transmissão de outras partidas, como um profissional. Na final, Itália e França, tinha previsto o resultado e por isso não me entusiasmei tanto. Minha voz estava rouca, mas não era pelos gritos, e sim pelo cansaço das inúmeras viagens. Quem de dera ter o gogó do Pavarotti.’

‘É só uma partida de futebol’

Quanto ao emprego, foi ele mesmo quem largou, mas ressalta que valeu a pena por ter feito parte daquele momento mágico vivido pela azzurra e que não lhe fez mal. Foi como Roberto Baggio (um dos melhores jogadores da história do futebol italiano) – difícil de controlar.

Depois da Copa, Huang escreveu dois livros: Combater como verdadeiros homens, no qual ressalta a garra do jogador Ringhio Gattuso; e Não é a batalha de um homem só, que, segundo ele, é a síntese de sua vida.

Huang Jianxiang finaliza explicando por que foi tão criticado n China: ‘Muitos aqui vivem com a cabeça no passado, como se ainda estivéssemos na Revolução Cultural. Dias depois daquela partida, o jornalista de um importante diário telefonou para o adido cultural da embaixada australiana para protestar contra mim. Foi um truque para depois pedir minha cabeça. Mas logo cortaram essa conversa: ‘Que idéia, trata-se somente de uma partida de futebol, não de uma guerra’.’

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Jornalista