É legítimo que, num regime democrático, meios de comunicação assumam suas preferências. Em diversos países, a definição fica explícita, seja da parte do veículo de informação, seja para o público-receptor. No Brasil, entretanto, a transparência ainda não vinga. Será atraso cultural? Será, da parte dos codificadores, o ‘gostinho’ pela manipulação? Será a disputa angustiada por garantir leitores, num país em que a leitura não é um hábito prevalente?
Pode ser a mistura dos três aspectos. O fato é que todos ficam prejudicados pela ausência de clareza. A semana passada, no tocante à situação eleitoral, no Rio de Janeiro, foi rica em ilustrar a ‘envergonhada definição’. Em dois episódios, o jornal O Globo, sem declarar seu apoio à candidatura de Eduardo Paes, codificou matérias no melhor estilo do controle subliminar.
Na edição de quarta-feira (8/10), na primeira página, duas fotos exibiam os dois candidatos. Na parte central, com dimensões maiores, Eduardo Paes é cumprimentado pelo petista Wladimir Palmeira. Em dimensões menores, e em diagonal descendente, Fernando Gabeira era cumprimentado por um anônimo. Obviamente, o fato está longe de representar ‘jornalismo imparcial’. Qualquer leitor, minimamente municiado de ‘rudimentos semióticos’, reconhece a grosseira codificação.
Perfeito… ou ‘pré-feito’?
Não bastasse, na edição de sexta-feira (10/10), o mesmo jornal que no dia anterior patrocinara, no auditório de O Globo, um debate entre os dois candidatos, elegeu como manchete: ‘Uma questão de estilo’. A manchete tentou nivelar os dois candidatos, em favor da neutralização das expressivas diferenças que os separam, tentando, assim, passar a idéia de que ambos se equivalem.
Quem, porém, pôde acompanhar o desempenho que ambos tiveram no debate de O Globo percebe que o diferencial não reside no ‘estilo’. Pela internet, pude acompanhar cada resposta. O que o jornal O Globo classifica como ‘estilo’, a rigor, quer dizer ‘concepção’, ‘inventividade’, ‘vigor imaginativo’.
Como complemento, o mesmo jornal, na edição de sábado (11/10), ao noticiar as adesões da ex-ministra Marina Silva e do arquiteto Oscar Niemeyer à candidatura de Gabeira, valeu-se do recurso da ‘minimização’. Não escapou também, na edição do telejornal da mesma empresa, o uso do epíteto de ‘o mais ilustre comunista brasileiro’ para o arquiteto. Ora, é claro que a adjetivação ‘comunista’, para o eleitor médio, ainda soa como algo ameaçador, ou de algo já sepultado, velho. O referido jornal preferiu dar destaque à adesão de Jandira Feghalli a Eduardo Paes.
Perfeito ou… ‘pré-feito’?
O ‘império do minuto’
Tais procedimentos, em nada podem enaltecer a atividade jornalística. Repito: é legítimo que um veículo de comunicação promova sua escolha. O que não parece uma atitude ética aceitável é o fato de, por atalhos sinuosos da dissimulação, um jornal de tradição histórica recorrer a expedientes tão primários quanto indesejáveis à preservação da democracia.
Em meio a essa ‘jogatina estratégica’, em favor da manipulação, louve-se a declaração da senadora Marina Silva: ‘Compreendo a posição do partido, mas me sinto inteiramente à vontade para manifestar meu apoio a Gabeira. Seria uma contradição com a minha trajetória não apoiá-lo’. Obrigado, Marina. Na sua devoção ética, e na contramão da ‘contabilidade política’, você soube exercer sua autonomia, a despeito de quaisquer conseqüências.
Descontado o ‘modelo-mordaça’, na base de minuto para formular e minuto para responder, afora minuto para tréplica, o embate proposto pela TV Bandeirantes pôde oferecer ao eleitorado do Rio de Janeiro a possibilidade de traduzir dois perfis, cuja diferença, diferentemente do que exibiu a manchete do jornal O Globo, não reside numa simplória questão de estilo, e sim, de idéias.
Ainda assim, enquanto predominar o esquema rígido, sob o ‘império do minuto’, será, para o cidadão-eleitor, sempre uma decisão difícil. Como decidir, em minutos, a diferença entre o ‘inventivo’ e o ‘mimético’? Como identificar, em minutos, a separação entre o ‘autônomo’ e o ‘clonado’? Enfim, que cada eleitor, com sua consciência, escapando dos processos de manipulação, possa decidir pelo mais adequado.
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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA, Rio de Janeiro, RJ