A Band e a Globo, nos últimos anos, têm disputado a audiência durante desfiles dos foliões no carnaval. A Globo foca a Sapucaí, onde as escolas de samba cariocas dão o seu monumental show, enquanto a Band joga suas fichas no mar de gente que corre atrás dos trios elétricos em Salvador.
A vantagem, nos momentos de clímax da cobertura carnavalesca, nas noites de sábado-domingo e domingo-segunda, tem sido, me parece, da Globo. Por falta de pesquisa qualificada, para medir essa mera opinião, acredito ser tal vantagem decorrência de um fato que Glauber Rocha explicaria muito bem. No sambódromo, a Globo, mais do que a Band, deixa o olho, a câmera falar.
A magia carnavalesca
Os ângulos, em suas diferentes tonalidades, sobressaem de forma mais exuberante porque a cobertura global centra sua atenção nos personagens principais da festa, isto é, os passistas, as alas, as comissões de frente, tudo em closes espetaculares.
As almas das escolas se surgem alegres e felizes, dançando e cantando diretamente ao coração dos espectadores e espectadoras da telinha, que as sentem em close. Em determinados momentos, o clima roliudiano amplia sua exaltação e nas salas dos lares ganha-se o colorido mágico.
Ao mesmo tempo, como se trata também de algo essencialmente comercial, pois as mercadorias precisam dar o ar da sua graça ao consumidor sentado nas poltronas, a coreografia ganha o espaço e a câmera se estende do chão das árvores em movimento para o todo da floresta de cores e sons em seu conjunto encantador. Interagem a escola, na avenida, e os foliões, na arquibancada, bem como os que se encontram em suas casas embalados na magia carnavalesca sem o incômodo dos intervalos comerciais.
Sem o tempero baiano
Já a cobertura da Band, ao contrário, na maior parte dos desfiles dos blocos – que pulam freneticamente em torno dos trios elétricos – mantém a câmera imóvel, a uma distância lamentável do espetáculo.
Vê-se a dimensão exuberante do universo de foliões, não como se telespectadores e telespectadoras estivessem, igualmente, no meio da folia, mas como se de dentro de um helicóptero. O olho – a câmera – não passeia, preferencialmente, entre os principais atrativos do carnaval baiano, que são, conforme destaca Manuel Bandeira, o retrato vivo da gente brasileira em sua multidiversidade, melhor destacada na primeira capital brasileira.
A massa vista do alto fica disforme, sem o tempero baiano. Os closes, em vez de irem para os que, realmente, encantam a festa, com sua alegria, com seus improvisos e artes, no meio da rua, deslocam-se para cima dos trios elétricos, onde pontificam os cantores e ritmistas com suas inigualáveis habilidades maravilhosas. Sem dúvida, merecem, nessas horas, todas as honras, mas é uma injustiça que a câmera dedique a eles mais de 80% das cenas em close, reservando para os maiores e principais coadjuvantes o restante das atenções.
Soltando a alma
Para quem está na poltrona, fica a sensação de uma interminável invariedade carnavalesca, insossa, chata. Caso a câmera da Band falassse no asfalto o que fala em cima dos trios elétricos, ora em close, ora de cima de um edifício distante, paralisada, a competição com a Globo seria mais intensa e instigante.
O show do carnaval não está nem na arte do comentário dos especialistas, que são muito úteis, nem na performance das celebridades, que encantam, posicionando-se, narcisicamente, em cima dos imensos caminhões, mas na gente simples que solta sua alma juvenil no asfalto.
Concorrência e qualidade
A câmera da Band, salvo esporadicamente, deixou de captar essa beleza interior dos foliões porque, ao posicionar-se do alto, colocou-se, como as elites brasileiras, distante do povo, enquanto a Globo, na Sapucaí, jogou suas fichas nessa beleza natural da terra brasilis.
No momento em que a Band puser seu pessoal na avenida em Salvador, para captar não apenas o encanto dos artistas da boa terra, mas, essencialmente, a sua gente, como canta Manuel Bandeira, quem sabe, não apenas sobrepujará a cobertura da Globo, mas obrigará esta a um outro salto de qualidade: a ir para as ruas do Rio captar mais intensamente a alma carioca, que, nos dias de reinado de Momo, se apresenta ao Brasil apertada nas arquibancadas do sambódromo, e não na alegria solta do asfalto. Tudo em close.
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Repórter do Jornal da Comunidade, Brasília, DF