Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A comunicação comunitária em um universo midiatizado

Diante da sociedade midiatizada na qual todos estamos inseridos tornaram-se importantes os estudos sobre a relação entre Comunicação e Educação.

Por isso, o assunto que trato nesse artigo é mídia-educação na perspectiva da comunicação comunitária. Primeiro vou explicar como surgiu a mídia-educação. Depois, vocês vão entender a relação desse estudo com Comunicação Comunitária. Já vou logo adiantando que uma coisa tem tudo a ver com a outra! É claro que minha monografia traz uma explicação bem mais completa, mas quero trazer esse tema através de um texto simples, para que todos possam compreender essa nova forma de se pensar a comunicação.

A relação entre Comunicação e Educação começa a se delinear a partir do século 20, porque era justamente nesse momento que a tecnologia e a Indústria Cultural estavam cada vez mais presentes na vida das pessoas. Surge então, a importância de se repensar essa relação, e de que forma ela poderia trazer benefícios para o processo de ensino. A Escola Nova causou uma revolução nesse sentido. Propondo que o educando (não mais o aluno) se tornasse protagonista nesse processo, Célestin Freinet trouxe uma prensa para dentro da escola e comprovou que através do processo de comunicação é possível ensinar matérias como matemática, geografia, história, línguas etc.

No Brasil, também a partir da invasão da Indústria Cultural e período da ditadura militar, pensadores como Paulo Freire entendiam que a mídia exercia forte influência sobre os sujeitos e que era necessário compreender como se dava esse processo para tentar intermediá-lo. Naquela época, já se percebia a necessidade de que as pessoas fossem mais críticas ao receber aquilo que a mídia retratava, e que os indivíduos podiam utilizar-se dessas mídias a seu favor.

E se naquela época já tinha muita gente pensado nisso, atualmente este estudo se tornou ainda mais importante. Vivemos em uma sociedade midiatizada e, mesmo com os as avanços da internet e do ensino no Brasil, muitas pessoas continuam achando que a mídia traduz a pura realidade. Vamos pensar um pouquinho… Quantas coisas acontecem em 24 horas? Por que a mídia retrata apenas alguns destes acontecimentos? Por que não passou no Jornal Nacional o fato deixou de ocorrer? Devemos compreender que o que os veículos de comunicação de massa retratam são apenas alguns recortes da realidade. Isso vai depender da linha editorial do jornal, interesses políticos ou econômicos, dentre tantas outras coisas.

Alunos criam pautas ligadas à realidade do bairro

Sabemos que a comunicação comunitária tem tido um papel importante em um processo que chamamos de desalienação, ou seja, criar veículos contra-hegemônicos e que tragam conteúdos comunitários, que sejam feitos dentro e pelos próprios moradores da comunidade. O objetivo é que rádios, TVs, jornais impressos, sejam feitos pela própria população, para que seu olhar também seja transmitido nesse processo. Cicília Peruzzo é pesquisadora nessa área e fala da importância de inserir os sujeitos nesse processo. Para ela, uma pessoa que participa de um projeto em comunicação nunca mais será a mesma.

Mas, e a mídia-educação? Ela também visa trazer essas pessoas como protagonistas no processo de comunicação. Para além desse objetivo, quando a mídia-educação se une a Comunicação Comunitária esse objetivo se expande, pois ela visa tornar os educandos mais críticos, criativos e ativos em relação aos meios de comunicação e de sua própria realidade. A mídia-educação na perspectiva da comunicação comunitária também se embasa nos pensamentos de Paulo Freire, que afirmava que a boa relação entre educando e educador é de extrema importância no processo de aprendizagem. Além disso, na mídia-educação na perspectiva da comunicação comunitária devemos levar em conta a realidade na qual esse educando está inserido.

Atualmente desenvolvo oficinas de mídia-educação no Projeto Criança Feliz, que ensina música de graça na região Leste de Londrina. Como são essas oficinas? Esta é uma metodologia proposta por Luzia Deliberador com base em muitos outros autos. A autora propõe que se desenvolvam oficinas que trabalhem a identidade, a cidadania, a relação com a comunidade e a criticidade dos educandos em relação aos meios de comunicação. Após esse processo, os próprios jovens escolhem em que tipo de veículo querem trabalhar. No caso dos meus pequenos, eles escolheram a televisão. A partir daí, eles criam pautas que estavam ligadas à realidade do bairro. O trabalho está sendo realizado no Jardim Monte Cristo, o local costuma ser noticiado pela mídia por assuntos negativos como roubos, mortes, tráfico de drogas etc. Mas, esses jovens sabem das potencialidades do seu bairro e trouxeram pautas positivas, demonstrando que o recorte que a mídia faz do que ocorre no local em que eles vivem tem sido direcionado apenas para alguns temas.

Um crescimento crítico

Terminamos agora de gravar o programa de entretenimento Hoje é a Comunidade, que é um reflexo de tudo que debatemos durante os três anos em que trabalho com eles. Tem pauta sobre moda, mas mostrando como as pessoas podem comprar roupas baratas em um bazar realizado dentro do Jardim Monte Cristo. Eles também mostraram como os moradores jogam lixo pelo bairro e a importância da preservação do local. A maioria dos educandos faz parte do Projeto Criança Feliz, por isso surgiu uma pauta sobre a apresentação da Orquestra e do Coral. E para resgatar a história do bairro, eles fizeram uma entrevista como uma moradora que falou das conquistas do local e do que ainda falta.

Não digo que esse processo irá mudar o mundo (não sou tão pretensiosa), mas percebo mudanças significativas nas crianças que participaram das atividades. Quando olho as fotos das primeiras oficinas percebo que eles cresceram, e não foi apenas na estatura. Eles cresceram criticamente, passaram a olhar para o bairro de uma maneira diferente, percebendo que eles também são responsáveis pelos processos de conquistas e mudanças no Jardim Monte Cristo. Se a comunicação pode influenciá-los negativamente, a recíproca é verdadeira! Este é um trabalho que me realiza profissionalmente e que me faz sentir contribuindo de alguma forma para que o mundo seja um lugar melhor para se viver!

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Laís Cardoso é jornalista