O Brasil é o maior país católico do mundo e nossas autoridades têm um cuidado especial com a Igreja e com as igrejas. E por quê? O Estado não é leigo?
É, mas… Nossos usos e costumes vêm sendo moldados desde o descobrimento pela Igreja, especialmente pelas ordens religiosas e, dentre essas, de modo muito peculiar por uma delas, a Companhia de Jesus, cujo superior geral já foi chamado de o Papa negro.
Fundamentos da Ratio Studiorum (A razão dos estudos) dos padres jesuítas ainda são encontráveis em nossas escolas de qualquer nível, especialmente no ensino médio, embora sem a antiga competência que foi responsável por uma sólida formação, principalmente humanista, administrada pelos colégios religiosos ao longo de séculos.
Contrabando constitucional
Nos últimos decênios, o poder político deixou de prestar continência aos militares e de lhes dar satisfação, mas, de modos nem sempre sutis, tem dedicado especial atenção à Igreja. E ultimamente também às igrejas.
Não é por acaso que a bancada evangélica fez com que ninguém menos do que a presidente da República – que já amargara na campanha efeitos devastadores das discussões sobre o aborto – retrocedesse e desautorizasse a distribuição de um kitque deveria ser de educação sexual, mas que no entender dos que o combateram constituía a mais atrevida invasão de privacidade, determinando comportamentos sexuais.
Quem esteve à frente do movimento? Um militar e um evangélico. E o que aconteceu? O Brasil inteiro apoiou com estrondoso silêncio a iniciativa deles. E por que o poder político fez isso? Porque o Executivo não pode mais nada sozinho e precisa negociar com o Legislativo, que, aliás, anda legislando pouco. De tão interessado em governar, tem deixado para o Judiciário essa incumbência que o povo lhe outorgou ao votar em quem votou. Ou algum eleitor votou nos 11 ministros do STF para que legislassem no lugar dos parlamentares livremente escolhidos?
Um exemplo dos mais sólidos na intromissão do Judiciário no Legislativo deu-se na constituição da família, que agora pode ser de duas mulheres ou de dois homens, modificando o que determinava a Constituição de 1988, que alterou o artigo 226 pela Lei 9278, de 1996. Até a decisão do STF pela legalidade da união homoafetiva, a família estava definida assim:
“É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
Há sólidos indicadores de que muitos queriam mudar essa feição, mas há igualmente fortes suspeitas de que se tratava de questão controversa. E, em assim sendo, a mudança deveria ser feita por nossos representantes no Legislativo, não pelos onze do Judiciário.
Desde as declarações de Nelson Jobim – ex-parlamentar, ex-ministro da Justiça, ex-integrante do STF e atual ministro da Defesa – que confessou ter incrustado dois artigos na Constituição que não sabemos quais sejam, não se via tamanha alteração sem consulta a quem deve cumprir a lei.
Palavras do bruxo
Vivemos uma crise de normas no Brasil. Em poucos dias pareceu que a língua portuguesa é qualquer uma das modalidades existentes na pátria nesse instante, que a família não é mais aquela, que os legisladores governam e que os juízes legislam.
Mas, deixando esses assuntos para os juristas, não custa nada perguntar aos habitantes do maior país católico do mundo se eles sabem o que são batina, amito, alva, cíngulo, estola, casula, báculo, barrete, mitra etc., de que se ocupa a revista Superinteressante (nº 292, junho de 2011), que está nas bancas.
A alva esteve na crista da onda depois que Lady Gaga gravou um clipe em que usou a famosa veste católica com cruzes vermelhas invertidas, símbolo de Lúcifer, que mereceu a desaprovação de milhões, inclusive do Papa Bento 16.
Lygia Fagundes Telles, machadiana de carteirinha, citou em recente entrevista uma das mais famosas frases do Bruxo do Cosme Velho, lavrada quando ele cobria o Senado, no início do século 20:
“Não sei dos desafios da literatura atual, sei dos meus próprios, que não são poucos. ‘A confusão é geral’, já dizia o nosso Machado de Assis. E isso foi há tanto tempo! Posso bem imaginar o que ele diria hoje”.