Bill Kovach e Tom Rosenstiel, no livro Os elementos do jornalismo: o que os jornalistas devem saber e o público deve exigir (2003), analisam a imprensa norte-americana, mas vão bem mais além disso, pois essa análise poderia ser do jornalismo brasileiro. Os dois autores fazem parte do Comitê dos Jornalistas Preocupados. Através desse comitê, foi realizada uma pesquisa junto à sociedade e aos demais jornalistas dos EUA.
O resultado das discussões e depoimentos foi a elaboração de nove elementos que, entre outras coisas, deveriam guiar os profissionais do jornalismo. Esses elementos são: (1) a primeira obrigação do jornalismo é com a verdade; (2) sua primeira lealdade é com os cidadãos; (3) sua essência é a disciplina da verificação; (4) seus praticantes devem manter independência daqueles a quem cobrem; (5) o jornalismo deve ser um monitor independente do poder; (6) o jornalismo deve abrir espaço para a crítica e o compromisso público; (7) o jornalismo deve empenhar-se para apresentar o que é significativo de forma interessante e relevante; (8) o jornalismo deve apresentar as notícias de forma compreensível e proporcional e (9) os jornalistas devem ser livres para trabalhar de acordo com sua consciência.
Vamos nos ater ao elemento número três: ‘Sua essência é a disciplina da verificação’. Todos os dias, os veículos de comunicação, impressos ou eletrônicos, cometem erros ao buscar o ‘furo jornalístico’. Desde informações imprecisas e erradas, até ‘matando’ pessoas que apenas estavam feridas. Ou supondo fatos não comprovados, como analisamos no artigo ‘Notícia boa é notícia ruim‘, neste Observatório.
A logomarca da FAL
Kovach e Rosenstiel abordam dois tipos de jornalismo. O de verificação e o de afirmação. Sendo este último o mais praticado pelos jornalistas no Brasil e, segundo os autores, também nos Estados Unidos.
Pois bem. Em Natal (RN), o jornal de maior tiragem no estado cometeu uma falta na ‘essência do jornalismo’ no dia 19 de novembro de 2010. No caderno ‘Natal’ – página 2 –, a reportagem que ocupa meia página descreveu a ação da polícia quando foi encontrado o automóvel que serviu para a fuga de um bando de assaltantes que, dias antes, havia roubado uma delegacia, na Grande Natal. O jornal descreveu o fato e a ação da polícia, bem como os resultados alcançados pelos militares. Segundo a reportagem, as armas roubadas da delegacia não foram recuperadas, mas o carro, que estava com ‘placa fria’, foi encontrado. Até aí, tudo bem. O fato que deixou a verificação de lado foi na ilustração da reportagem.
Em tal ilustração, foram apresentados os modelos de cada arma roubada pelos assaltantes. Com exceção de uma delas. O famoso fuzil FAL. Curiosamente, FAL é a sigla que determina a Faculdade de Natal, uma instituição de ensino superior conhecida de todo cidadão natalense. No lugar da imagem do fuzil FAL estava a logomarca da Faculdade de Natal – FAL.
A disciplina da verificação
O erro gritante do jornal não foi corrigido no dia seguinte, na edição do dia 20 de novembro. Não se sabe ao certo que medidas a Faculdade de Natal tomou. O fato é que, por desleixo ou desatenção, o maior jornal do Rio Grande do Norte e oitavo maior do Nordeste cometeu um erro sem precedentes ao confundir um fuzil com a logomarca de tal instituição de ensino.
Acredito que não foi de má-fé, pois a marca da FAL nem se parece um fuzil. Um desleixo como esse é causado pela falta de leitura e de verificação de quem editou a página. A pressa, a falta de verificação, fez a Tribuna do Norte perder o essencial no trabalho jornalístico, ‘a disciplina da verificação’. Ou, como bem definem Kovach e Rosenstiel, ‘no fim, a disciplina da verificação é o que separa o jornalismo do entretenimento, da propaganda, da literatura ou da arte. […] Só o jornalismo se concentra primeiro em registrar direito o que aconteceu’ (2003, p. 113).
Veja a ilustração aqui.
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Jornalista, Natal, RN