Nas duas primeiras semanas de janeiro, a pauta sobre a estrutura energética do país foi intensamente abordada pela mídia a partir das denúncias de obras federais paradas e do temor de um possível racionamento de energia.
O assunto foi destacado em uma reportagem exibida no Fantástico, da Rede Globo, em seu novo quadro “Brasil, quem paga é você”. Produzido pela jornalista Sônia Bridi e o repórter cinematográfico Paulo Zero, o quadro investiga as obras inacabadas no Brasil e o custo desses atrasos para o governo e para o contribuinte.
Em sua primeira edição, exibida em 6 de janeiro, o quadro mostrou a história de uma usina termelétrica no Rio Grande do Sul, inacabada há 25 anos, e um parque eólico na Bahia, inoperante por causa de linhas de transmissão não concluídas. Além disso, o programa abordou o caso de duas refinarias, uma em Pernambuco e outra no Rio de Janeiro, ambas com obras atrasadas e orçamentos muito maiores do que os apresentados em seus projetos iniciais.
Custo alto
O assunto repercutiu em toda a mídia jornalística e ganhou força com as notícias sobre o baixo nível da água dos reservatórios das usinas hidrelétricas, reportado como semelhante ao nível observado em 2001. Nos dias 7 e 8/1, Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e o Globo relataram a preocupação do governo federal com o risco de racionamento de energia, duas semanas após a presidente Dilma Rousseff ter afirmado que era “ridículo” dizer que o país pudesse correr esse risco. No dia 7, a Folha divulgou a notícia de que o ministro de Minas e Energia e a presidente Dilma haviam convocado uma reunião de emergência para discutir o assunto. A matéria seria desmentida por uma carta do ministério.
Em 8/1, a Folha noticiou a queda de 0,94% no Ibovespa como fruto do temor de uma crise energética. O Globo e o Estadão também aproveitaram o gancho para reportar problemas nas obras da matriz energética brasileira. As manchetes “Tribunal de Contas da União aponta falha e atrasos no programa ‘Luz para Todos’” e “Setor elétrico: mais da metade das obras está atrasada” foram estampadas no Globo e “Atraso em linhas de transmissão piora cenário”, no Estadão.
No decorrer daquela semana, novas matérias aprofundaram a pauta suscitada pelo Fantástico. No Estadão, as reportagens “Apagão pode reduzir expansão do PIB em 2013” e “Falta de energia elétrica pode elevar desemprego, alerta FGV” expuseram as consequências de uma possível crise energética. Nas duas matérias, especialistas em economia e energia avaliaram os impactos sobre o desempenho da indústria em razão do aumento do custo de energia decorrente da ativação das usinas termelétricas e do baixo crescimento da matriz energética brasileira.
O Valor (15/1) consultou o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, que afirmou ser o quadro energético brasileiro atual diferente do observado no último período de racionamento de energia, em 2001. Segundo ele, as linhas de transmissão garantem o atendimento do sistema e o país está mais abastecido com energia de usinas termelétricas.
A Folha seguiu abordagem similar (8/1), com uma análise de Ildo Sauer, professor titular do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP. Segundo o professor, o risco de apagão é baixo, mas ele alertou que a situação seria grave se houvesse um crescimento maior do PIB e da produção industrial. Em um editorial e uma reportagem, o jornal também apontou o alto custo acarretado pelo acionamento das usinas termelétricas, que já ultrapassou 1 bilhão de reais.
“Do contra”
Na mesma semana, os jornais noticiaram reuniões da presidente Dilma Rousseff com ministros e empresários, nas quais o assunto energia também esteve em pauta. Foi a vez de os veículos abrirem espaço para as declarações oficiais do governo. Na Folha, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, desmentiu os temores de racionamento com um texto na seção “Tendências/Debates” (13/1).
Dias antes, na sexta-feira (11), o ministério de Minas e Energia emitiu uma nota, publicada na Folha, em que desmentia as informações divulgadas pelo mesmo jornal de que o governo convocara uma reunião emergencial para discutir o risco de racionamento. A nota pôs a jornalista Eliane Cantanhêde, que bancou a notícia, em uma saia justa e fez com que a Folha fosse obrigada a corrigir a matéria em seu site.
No Estadão e no Globo, a abordagem foi similar. O jornal carioca também abriu espaço para declarações do ministro Lobão e abordou o aumento da utilização de termelétricas nas reportagens “Governo estuda usar energia de termelétricas permanentemente” (10/1) e “Governo admite que pode usar mais térmicas no futuro” (22/1). A questão foi relacionada com as consequências para o meio ambiente na matéria “Ameaçada, matriz energética brasileira deve ficar menos limpa” (15/1). Segundo o especialista em clima e energia da UFRJ Ronaldo Seroa da Motta, consultado pelo Globo, a matriz energética brasileira estaria cada vez mais dependente de recursos não renováveis.
Na quarta-feira (23/1), a presidente Dilma Rousseff fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão para tratar da questão energética. A presidente anunciou que a redução da conta de luz passaria a valer a partir do dia seguinte, com um corte de 18% para residências e 32% para a indústria. Além disso, a presidente reiterou o discurso governamental de que as perspectivas para a matriz energética brasileira são “as melhores possíveis” e de que não há “nenhum risco de racionamento”.
Dilma também atacou “aqueles que são sempre do contra”. Segundo ela, “algumas pessoas, por precipitação, desinformação ou algum outro motivo” fizeram previsões sem fundamentos quando o nível dos reservatórios de hidrelétricas diminuiu e as termelétricas foram ativadas.
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[Rodrigo Neves é estudante de Jornalismo da ECA-USP]