Se lermos as definições sobre república e monarquia apresentadas em alguns livros, ficaremos surpresos em descobrir que ainda há evidentes resquícios da monarquia na política de nosso país. Segundo alguns autores, as principais características da república são eletividade, temporalidade, representatividade popular e responsabilidade do governante perante o povo; já as da monarquia são hereditariedade, vitaliciedade e irresponsabilidade do governante, pois o monarca não representa o povo, e sim, a linhagem de alguma família.
Em verdade, quando se fala em manutenção da hereditariedade do poder preferimos responsabilizar os que não têm o dom da leitura e, dessa forma, propositalmente escondemos que a verdadeira culpa é de nós que fazemos parte da sociedade letrada pseudo-esclarecida direcionada para que se veja apenas o que a revista e os meios de comunicação querem que se veja. De certa forma, somos nós que lemos, escrevemos, ‘interpretamos’ e somos manipulados a reproduzir notícias e números divulgados pelos detentores de poder, embora os números visualmente contrastem com a realidade.
E quando nos é dado o poder de decidir quem é competente para administrar o bem público, votamos novamente no filho do ‘doutor’, pois no fundo nos sentimos incapazes de nos representar; ou quando fazemos a opção pelo protesto elegemos o palhaço sem percebermos que o circo foi cuidadosamente montado para que o nosso ‘voto de protesto’ fosse extremamente útil para a manutenção do status quo.
Luxo aprovado com o nosso consentimento
Tudo é transformado e editado de acordo com a conveniência e interesses do meio que divulga. Por exemplo: a notícia sobre criar um conselho para fortalecer uma determinada profissão é divulgada como a volta da censura; a venda de empresas públicas lucrativas para financiadores de campanha e desvalorização da classe trabalhadora são noticiadas como o modelo perfeito de gestão, pois se busca sempre uma distorção para manipular a pseudo-informada e letrada sociedade. Pagamos para sermos manipulados! E o assunto do dia é exatamente aquele determinado sob a ótica do ‘quarto poder’, ou você pretenderia conversar algo diferente do que estivesse em pauta nos meios de comunicação?
A avalanche de informação diária faz com que a instruída sociedade não dê importância ao fato de ontem que revela a forte desigualdade social e passe a contemplar, hoje, o exaustivo engodo elitizado de proteção ao meio ambiente e à vida uterina, já que isto ao invés daquilo nos faz consolidar que fazemos parte da pseudo-letrada sociedade.
O impressionante é que somos orientados a nos indignarmos quando nossos impostos são transformados em programas sociais, até gritamos alto: É compra de voto! Como se isso fosse a maneira revoltante de conseguir um voto. Entretanto, somos indiferentes quando os mesmos impostos são transformados em altas verbas de gabinete, viagens de turismo, licitações ilícitas, cargos supérfluos para cabos eleitorais ou para nós mesmos e em todo luxo aprovado com o nosso consentimento para aqueles que conscientemente colocamos no poder.
A doce mentira e a verdade incômoda
Aceitamos tudo isso de forma inerte porque somos também reféns de algo perecível, embora quando se trata de nossos interesses procuramos rapidamente uma causa nobre para justificar a fácil entrega do voto, pois vendemos, sim, o voto por meio de um jogo de interesses pessoais, que em longo prazo perceberemos que não conseguiremos resgatar nem mesmo a nossa dignidade.
O interessante é que nesse emaranhamento do poder e da informação, o herói torna-se vilão e o vilão torna-se o herói e com a Justiça sob suspeição a ficha suja pode ficar limpa e a limpa fica suja rapidamente, ou até mesmo nem a ficha passe a existir. Lembrem-se de que é sempre de acordo com o interesse… público é que não é!
E como vamos saber o que é verdade ou mentira nesse meandro de informação? Talvez nunca, porque preferimos a doce mentira a uma verdade incômoda. O melhor mesmo é continuarmos colocando a culpa naqueles que não têm o dom da leitura.
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Jornalista, Maceió, AL