Uma menina de 13 anos foi estuprada por quatro jovens no Paraná. Não houve flagrante e, segundo a investigação, a menina acompanhou os jovens voluntariamente até o apartamento de um deles. Ela usava uma pulseira de silicone preto que, segundo o novo código dos jovens, significa disponibilidade para relações sexuais. As pulseiras de silicone, até agora vendidas livremente em camelôs de todo o país – moda lançada na Inglaterra há dois anos – passaram a ser assunto da mídia. Isso porque escolas, políticos e especialistas, todos entraram no assunto propondo uma solução.
A dos políticos foi a mais radical, e talvez a menos eficiente: proibir o comércio das pulseiras. Como se isso bastasse para impedir que os jovens encontrem outro código de comunicação, menos visível e nem por isso menos perigoso. Os políticos podem até evitar que os camelôs comercializem o produto, mas dificilmente conseguirão impedir o acesso dos jovens às pulseiras – discutidas e vendidas livremente na internet. É só digitar ‘pulseiras coloridas’ para descobrir que faz muito tempo que qualquer criança com acesso à web pode descobrir tudo – de onde comprar ao significado de cada cor entre jovens e crianças. As escolas, que só agora se deram conta do significado das pulseiras, fazem o que consideram mais eficiente: proíbem o uso das pulseiras em suas dependências.
Revistas registraram o assunto
Melhor fez a Secretaria de Educação do Paraná, ao lançar um comunicado (10/4/2010) propondo a discussão do assunto nas sala das de aula:
‘É urgente discutir quais as razões que levam as pessoas a determinadas formas de agir e compreender aquilo que ocorre nas nossas comunidades. O tema deve ser abordado em todas as salas de aula. As pulseiras são apenas acessórios, que podem ser substituídos a qualquer momento por outros… Abster-se desta discussão leva à naturalização de atos de violência pela defesa de que um adereço carrega uma conotação sexual por si mesmo e que a escolha pela utilização do mesmo vincula à aceitação do jogo.’
Depois da violência contra a menina paranaense, até a postura da mídia mudou. Em dezembro de 2009, por exemplo, a revista Capricho publicou um teste sobre as pulseiras, no qual os leitores tinham que responder perguntas do tipo ‘como você conheceu a brincadeira?’, ‘você tomaria uma decisão como dar um beijo em alguém através de uma brincadeira?’, ‘o que você acha dessa brincadeira?’, ‘você viu alguém levar a brincadeira a sério?’
Nas outras revistas, o assunto era registrado. A Veja de 16 de dezembro de 2009 tratou do tema na matéria ‘O jogo das pulseirinhas’, quando, além de dar um gráfico com o significado das cores, mostrava o exemplo de escolas que resolveram o assunto por meio do diálogo entre os professores, os pais e os alunos. Mas agora o assunto ganhou destaque e mereceu artigos nos grandes jornais paulistas no último fim de semana.
Um elemento facilitador
Na Folha de S.Paulo, Carmita Abdo, psiquiatra e professora do Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, cobrou uma atitude de pais e educadores:
‘O fascínio que situações de risco exercem sobre púberes e adolescentes é característico dessa fase e pode explicar, ao menos em parte, a `febre´ das pulseirinhas coloridas, mensageiras de uma perigosa licenciosidade. O perigo não está no sexo em si, mas na péssima parceria para a atividade, deflagrada, no caso, mais pelo desafio que pelo desejo, mais por atrevimento que por atração.
Desafio e atrevimento que têm deixado sequelas em alguns jovens. E do que têm se aproveitado sociopatas, oportunistas sexuais, abusadores. As pulseiras sinalizam uma disponibilidade sexual aparentemente fácil, mas difícil de se assumir e absurda, mesmo entre adultos bem resolvidos. No pulso desses jovens, tornam-se uma auto-ameaça à integridade física, psíquica e moral. As mensagens que os enfeites transmitem, cobradas às últimas consequências por aqueles que não perdoam a ingenuidade da ousadia juvenil, merecem nossa reflexão. Vetar o comércio e o uso não atinge o âmago da questão, apesar de ser uma tentativa honesta de debelar o mal pela raiz. Porém, pode até estimular o uso camuflado ou gerar polêmica. Se os sociopatas não deixaram passar essa oportunidade – fazendo dela uma licença para violência – pais, educadores e a sociedade não podem se furtar à necessidade de análise que a gravidade da situação exige.’ (Folha de S.Paulo, 11/4/2010)
Mas foi a análise feita pela médica genicologias Albertina Takiuti no artigo ‘Uma nova ditadura do sexo’ que chegou ao ponto fundamental nesta questão:
‘Trata-se de uma nova ditadura do sexo, uma violência traduzida pela codificação da mulher por meio de um adereço. E mais uma vez a mulher fica em posição vulnerável frente ao triunfo do machismo. Se hoje o sexo surge cada vez mais cedo, a obrigatoriedade da relação sexual coloca novamente a mulher em desvantagem diante dos homens. Na adolescência eles também têm, invariavelmente, suas inseguranças. Sentem medo de não conquistarem o sexo oposto, de serem rejeitados. É óbvio que uma pulseira no braço da menina, que lhe dê sinais claros, é um elemento facilitador. Ele não apenas se fortalece como pode, depois, culpar a adolescente se algo acontecer. Afinal, `foi ela quem provocou´. Antes a desculpa era a da minissaia, do decote. Agora é a da pulseira.’
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Jornalista