Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A cultura da inutilidade

A blogueira Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha, que atraiu a atenção da mídia nacional e até internacional nos últimos meses, deve se tornar descartável com a nova corrida pela vida das celebridades instantâneas. Em janeiro de 2006, começa o Big Brother Brasil – pauta exaustiva da imprensa todos os anos. O show de estereótipos fabricados em série, na TV Globo, atrai curiosos ávidos por uma cultura inútil assim como o blog da ex-prostituta Bruna Surfistinha, autora do livro O doce veneno do escorpião – O diário de uma garota de programa.

A ex-prostituta goza de um big brother exclusivo: o seu blog na internet. Nele, Surfistinha é a única protagonista observada. Antes da decisão de abandonar a prostituição, ela até narrava histórias com os homens que transava – meros coadjuvantes anônimos que ganhavam mais ou menos carinhas no blog dependendo do desempenho sexual. Quando deixou a prostituição, começou a contar na internet a rotina com o namorado, agenda de entrevistas, participação em evento beneficente e os novos projetos como escrever outro livro e montar uma sociedade para vender sabonetes – enfim, histórias que qualquer ex-garota de programa, ex-dançarina ou ex-qualquer coisa poderiam narrar… Temas absolutamente irrelevantes para o país, mas que atraem os bisbilhoteiros.

Condição prévia

O Big Brother, ao contrário do blog, tem vários personagens. Eles são transformados em heróis ou vilões no imaginário popular todos os dias. São anônimos que aceitam falar de suas intimidades para milhões de telespectadores e passar vários vexames por causa de futricas – parte do próprio jogo no programa. Tudo pela fama e pela promessa do dinheiro fácil.

O sucesso tanto de Surfistinha quanto do Big Brother depende somente dos mexeriqueiros de plantão, que são alimentados todos os dias pelos fofoqueiros da mídia. A cultura da inutilidade e da banalidade reina nos dois mundos. O programa transforma desconhecidos em famosos, que provocam até gritos de fãs ensandecidos. A ex-garota de programa se transforma em uma das autoras mais lidas do país – sem ter nada de útil para dizer – com o apoio total da imprensa.

A vida passa rápido quando as pessoas percebem que não leram, não ouviram nem viram nada de útil para alimentar realmente o conhecimento. É preferível não assistir televisão do que perder tempo com lixos eletrônicos. E é melhor não ler nada do que ler meras palavras sem significados. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer bem dizia:

A arte de não ler é muito importante. Consiste em não sentir interesse algum por aquilo que está a atrair a atenção do público numa determinada altura. Quando um panfleto político ou eclesiástico, um romance ou um poema estão a causar grande sensação, não devemos esquecer-nos de que quem escreve para tolos tem sempre grande público. Uma condição prévia para ler bons livros é não ler os maus: a nossa vida é curta.’

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Colunista da revista Exame