Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A demonização de Lula e do PT

Acabo de ler a entrevista de FHC à revista Piauí na versão online, disponibilizada por um link no blog de Luis Nassif [N. da R. O link informado é http://www.editoraalvinegra.com/artigo.aspx?id=187, mas traz o aviso ‘conteúdo indisponível’]. É um exercício de bom jornalismo, creio. É o retrato, um tanto patético, de um homem que se vê às voltas com a realidade depois de oito anos de poder. Quem se dispuser a navegar pelas dez páginas da reportagem verá um FHC que, mantendo quase intacta sua soberba, é obrigado a submeter-se aos incômodos dos mortais comuns ao freqüentar aeroportos e restaurantes ruins, além de ter de exercer o convívio civilizado com pessoas que julga muito aquém de sua estatura. Em resumo, é a redução de uma efígie à condição humana.

Em conseqüência dessa humanização, torna-se difícil manter a aversão visceral pelo indivíduo que é um ícone do entreguismo e da submissão aos interesses do capital e o responsável pelo desmonte do Estado e pela privataria. O que exsurge do texto é a imagem de um homem que se julgou muito maior do que realmente é e foi devolvido à suas reais dimensões por uma rejeição popular de tal monta que o desestimulou de concorrer a qualquer cargo eletivo, e a ser cuidadosamente escondido por seu partido na última campanha eleitoral. Em resumo, lendo a reportagem qualquer pessoa de bom senso constatará que se é fácil odiar o FHC que quebrou o país três vezes – e ainda se posiciona, e é idolatrado pela mídia, como um estadista –, é impossível nutrir o mesmo ódio pelo sujeito que come comida ruim em botequim de aeroporto e fala tanta besteira que é censurado pela própria neta. Um sujeito como todos nós, afinal de contas.

E, como nas fábulas, qual a moral da história? A moral da história é que a grande mídia, conservadora e golpista como tão bem definida por Paulo Henrique Amorim, deveria extrair uma lição dessa reportagem. A demonização de Lula e do PT vai na contramão dos interesses da população. Enquanto os sabujos dos grandes jornais, revistas e redes de TV se esganiçam berrando denúncias e tentando criar crises com o intuito de inviabilizar o governo, os verdadeiros problemas passam em branco. A mídia tornou-se cega a qualquer coisa que não seja produzir escândalos envolvendo o governo federal. Mesmo os noticiários estaduais esqueceram os problemas regionais, apostando no desgaste do governo do PT como forma de manter uma estrutura de poder que mais agrada a seus interesses particulares.

Lógica do tráfico

Num mundo perfeito, essa mídia deveria conformar-se com a realidade. Se há coisas boas no governo, deveriam receber o destaque que merecem. Bons índices de emprego, ascensão social e econômica de parte significativa da população, redução dos índices de pobreza, de mortalidade infantil etc… E, ao lado desses aspectos positivos, a cobrança e a fiscalização de tudo o que vai mal. Honestidade, em suma. Porque, se uma abordagem honesta é capaz de dar a um eleitor de Lula uma imagem humana de FHC, com certeza poderia dar também uma visão crítica das coisas que estão erradas no governo federal e desatar um processo de cobrança da maioria da população.

Infelizmente, isso não acontecerá. Porque a mídia radicalizou totalmente. A lógica das grandes empresas de comunicação é atender seu público consumidor. E ele é composto por pessoas que, sem a capacidade intelectual de discernir entre manipulação e informação, viciaram-se em escândalos. A mídia produziu um círculo vicioso do qual não pode escapar. Seus consumidores são como os dependentes químicos: a cada dia precisam uma dose maior. Aqueles que não tiverem uma denúncia diária para oferecer vão perder público para a concorrência. Por incrível que pareça, chegamos, no âmbito da mídia, à lógica do tráfico: ou fornece a melhor droga, ou perde para a boca rival.

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Policial Civil, graduado em Direito e pós-graduando em Segurança Pública e Direitos Humanos, São Pedro do Sul, RS