Se tem algo com o qual recomendaria atenção na internet – além da saudável preocupação quanto à segurança –, seria com a autoria de textos lidos por aí. A rede é um festival de palavras sem dono ou talvez, ‘com excesso deles.’ Semana passada recebi uma corrente repassando um texto crítico ao Big Brother Brasil chamado ‘A vergonha‘ atribuído ao escritor Luis Fernando Verissimo. Falsamente atribuído, diga-se de passagem, pois o texto não é dele. Para quem duvida, Veríssimo desmentiu a autoria do texto no programa Altas Horas no dia 12/02 e esse fato recebeu menção no Comunique-se. De acordo com o texto ‘Portais e jornal ainda dão barrigada com falsa crítica de Veríssimo ao ‘BBB’‘, a própria imprensa tem problemas em reconhecer a farsa.
‘Quase um ano depois de Luis Fernando Verissimo desmentir a autoria de `A Vergonha´, um texto com críticas ao Big Brother Brasil, vários blogs e colunistas de jornais e portais continuam caindo na armadilha. No último sábado (12/2), em entrevista ao programa Altas Horas (TV Globo), o escritor voltou a desmentir que tenha escrito tal texto. Verissimo também lembrou que lhe atribuem muitos textos que não são de sua autoria.
No final do último mês, a notícia foi publicada em uma coluna do jornal O Progresso, de Dourados (MS), no blog de Edson Lima, do jornal O Diário, de Maringá, e no portal O Chapadense (MS), além de inúmeros blogs. No último mês, Zeca Camargo, apresentador do Fantástico, da TV Globo, chegou a citar o texto em seu blog, mas enfatizou que desconfiava da autoria da crítica.’
A cereja do bolo
Para quem já leu uma obra de Verissimo, fica evidente não se tratar dele. Sem querer desmerecer o autor fantasma, falta o estilo. Verissimo é irônico e sutil, enquanto ‘A Vergonha’ possui linguagem falha e repetições consideradas vexatórias em uma dissertação de colegial. Por exemplo: as reticências aparecem 13 vezes em um texto de pouco mais de 70 linhas. E dez delas estão em um único parágrafo.
Em vez de assistir ao BBB, que tal ler um livro, um poema de Mário Quintana ou de Neruda, ou qualquer outra coisa…, ir ao cinema…, estudar…. , ouvir boa música…, cuidar das flores e jardins…, telefonar para um amigo… , visitar os avós… , pescar…, brincar com as crianças… namorar… ou simplesmente dormir. Isso está muito longe de ser um estilo de escrita com pontuação especial, não?
E agora, a cereja do bolo. Um pecado que um escritor jamais cometeria. Seria um sacrilégio. O lendário Pai Mei arrancaria os próprios olhos ao melhor estilo Kill Bill se tivesse de ler isto:
‘[…] Veja o que está por de tra$$$$$$$$$$$$$$$$ do BBB’
Um infinito de mal-entendidos
Apesar de todos esses ‘poréns’ em termos de escrita, ainda há os argumentos moralistas e amplamente discutíveis sobre os quais não pretendo discorrer. Não, não assisto BBB. Sou obrigada a usar filtros no Twitter a partir de um certo horário devido à enxurrada de hashtags relacionados ao reality show. Não sei se a atual edição é mesmo essa apelação tão comentada, mas convenhamos que o texto usa de argumentos rabugentos. Pesados demais para a sutileza de Verissimo.
‘Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à pena de se morrer tão cedo. Eu gostaria de perguntar se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da moral, da ética e da dignidade.’
Muitas pessoas acreditaram na suposta autoria do texto, deleitando-se por alguém de peso ter voz para dizer tudo aquilo que parecia entalado na garganta. Pois bem, alguém escreveu. Porém, não aquele a quem gostariam. Muitos outros textos de autoria trocada pipocam todos os dias na rede. E uma vez colocado no ar e repassado de email em email eliminam-se as chances de um verdadeiro esclarecimento.
Uma vez deparei com um texto atribuído a Herbert Vianna, mas na verdade a autora era a jornalista Rosana Hermann. O post ‘No trabalho e… chocada’ transformou-se em ‘A vaidade’ por alguém mal intencionado que editou a crônica original, cortando os últimos parágrafos e incluindo uma frase de uma dos sucessos compostos por Vianna, começando um infinito de mal-entendidos.
Exemplo de baixa autoestima?
Nesse caso, a confusão foi tão grande que o texto chegou a ser creditado de forma errada até mesmo em um vestibular da Universidade Federal do Paraná. Na época em que ocupou espaço impunemente no meu email, bastou uma visitinha ao Google para confirmar a autoria. Isso, antes desta autoria forjada alcançar dimensões tão amplas. Mesmo com tantos desmentidos, os internautas continuam espalhando esses escritos crendo realmente serem de autoria do cantor, tendo assim o mesmo destino de muitas outras crônicas por aí atribuídas de forma errada a famosos muito específicos como Martha Medeiros, Arnaldo Jabor, Pasquale Cipro Neto…
Sério, eu gostaria de entender quem faz esse oba-oba autoral. De onde vêm esses escritos de autoria duvidosa? Seria de quem concorda e gosta do que leu, mas julga que um joão-ninguém não seria lá bom o bastante para receber atenção massiva? Ou isso partiria de seu próprio autor, em um claro exemplo de baixa autoestima?
Mistérios da vida…
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Jornalista, São José do Barreiro, SP