Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A desqualificação do Piauí no Amazonas

“Nós não estamos falando de um estado qualquer, não estamos falando do Piauí, estamos falando de um estado que é a quarta economia do país, um estado riquíssimo.” Com essa declaração, o deputado estadual Marcelo Ramos fez críticas à gestão da saúde pública amazonense. O fato repercutiu na mídia do estado, mas, sobretudo, nos meios de comunicação do Piauí, devido à desqualificação gratuita do estado piauiense por parte do parlamentar.

Tal acontecimento nos leva a refletir até onde o estereótipo do Piauí, construído no imaginário nacional, pode chegar a influenciar posturas do cidadão comum e das autoridades que governam o Brasil. Tanto se fala de igualdade, de repúdio ao preconceito, de combate à xenofobia e cenas como essa se repetem com relativa frequência, para infelicidade dos piauienses e dos nordestinos, de maneira geral.

Em uma época em que é moda pregar o respeito à diversidade, os brasileiros não conseguem conviver com as próprias diferenças regionais, gerando um clima agressivo e de tensão desnecessário. Para enaltecer um lugar, ou mesmo mostrar seus pontos fracos, é totalmente dispensável o menosprezo por outras partes do país ou do mundo. E isso acontece de maneira que muitas vezes nem percebemos, tão rotineiros são os métodos utilizados pelos nossos representantes.

Autoridade pública tem que se policiar

Quantas vezes não nos surpreendemos ao acompanhar os políticos que elegemos em situações tais como justificar um índice social baixo, argumentando que tal estado, ou tal cidade de outra região teve um índice pior. Inúmeras vezes ouvimos alguém falar que a economia do país não cresceu mais por conta de uma região ou de alguns estados – como se pudéssemos, simplesmente, escolher os de melhor desempenho e redesenhar o mapa do país nos livros de geografia.

Esse discurso, sob este aspecto, parece retrógrado, ultrapassado. Porém, infelizmente, ele ainda continua muito atual e soa natural para muitos brasileiros. E, neste caso, não é do preconceito de uma estudante de Direito que, no auge do seu desrespeito, pensou que poderia afogar os nordestinos e melhorar o mundo. Nem dos que retuitaram e difundiram as barbaridades postadas por ela em redes sociais. Estamos aqui falando de alguém eleito pelo povo e que representa milhares de pessoas – muito provavelmente, nem todas aprovariam a postura do parlamentar.

Marcelo Ramos deveria saber, pelo menos, que o Piauí é também um estado muito rico, e tem problemas da mesma forma que o Amazonas: não tem uma saúde e uma educação pública que sejam espelho para o restante do país. Isso, para não falar de tantas outras deficiências que atingem a região Norte e as outras no Brasil. Mais que isso, o deputado deveria prestar atenção no que fala, como fala, quando fala e para quem fala. Autoridade pública tem que se policiar.

Piauí não é um estado qualquer

Quando se sobe em um plenário para proferir um discurso em uma Assembleia Legislativa, ou se discute um assunto enquanto porta-voz da população que o elegeu, é preciso medir as palavras, é preciso saber o peso do que se diz. E, principalmente, em um contexto em que as informações repercutem rapidamente na internet e ganham dimensões inimagináveis. Será que o deputado pensou que os piauienses iriam ler ou ouvir seu discurso? Ou será que ele também pensa que no Piauí ainda não chegou internet?

Ao assumir um cargo público de relevância, espera-se que, no mínimo, o político saiba expressar-se em nome dos interesses públicos e conheça não só a sua região, mas o país em que vive. Gostaria de convidar o senhor Ramos a conhecer o Piauí e constatar que falar do Amazonas, de fato, não é falar do Piauí – porque são estados diferentes, com culturas diferentes e, felizmente, com representantes políticos que não costumam denegrir o Amazonas ou qualquer outro estado para denunciar os problemas que possui.

O Piauí não é um estado qualquer. É um lugar único, com características que o distinguem até mesmo de seus vizinhos nordestinos. Quem sabe, ao conhecer melhor o país em que vive, o parlamentar amazonense vai evitar deixar sua equipe de assessoria de imprensa em maus lençóis na próxima vez em que se pronunciar.