A cobertura jornalística do desaparecimento do voo AF 447, da Air France, tem trazido à tona o que muito se vê em torno de tragédias: a audiência que se ganha em face da dor alheia. Os veículos, sejam impressos, digitais, radiofônicos e, principalmente, os televisivos, vivem para ficar à espreita de qualquer imagem espetaculosa ou depoimento enigmático e emotivo.
Algumas emissoras de TV, como é o caso da Bandeirantes, vêm cobrindo a tragédia minuto a minuto, o que é comumente utilizado em meio digital. Entrevistas com ex-pilotos e especialistas em aviação, entre outras estratégias, são utilizadas com o objetivo de, além de informar, obter audiência. Tanto é verdade que de acordo com informações de Flávio Ricco, do site Canal 1, na terça-feira (3/6) a emissora esteve acima das demais quanto ao quesito audiência. ‘A Bandeirantes marcou ontem, sua melhor terça-feira do ano. Média dia, das 07h00 às 24h00, de 3,4%, impulsionada pela faixa matutina. Crescimento de 21% comparando com a média das terças-feiras anteriores do ano. O Dia a Dia também registrou seu melhor índice desde a estréia: 2,6% de audiência.’
A tragédia vive sob a penumbra do mistério. Mistério em saber qual a causa do paradeiro do avião; quais as faces que estavam dentro dele; as histórias e os sonhos ali perdidos; e, sobretudo, a dor para quem ficou. Esse, aliás, é um dos pontos mais perseguidos não só por jornais, mas também por programas dominicais que, geralmente, têm sua atenção voltada para amenidades.
Uma tarefa árdua
Nesse sentido, pergunta-se: qual o real benefício para o público sobre o sentimento evidente de um familiar que perdeu um ente querido? É de interesse público saber o estado da dor alheia?
Maurício Stycer, jornalista e colunista do IG, publicou artigo sobre a difícil tarefa de um profissional da área ao ser incumbido em colher depoimentos de familiares em casos de tragédias como a do voo AF 447. No texto, Stycer relata:
‘[…] Em busca de informações, como neste momento, do acidente com o avião da Air France, somos obrigados a interagir friamente com pessoas dominadas pela emoção da morte de algum ente querido. A reação ao assédio da imprensa varia muito – vai desde uma simples negativa ao pedido, à fúria causada pelo sentimento de invasão de privacidade ou de falta de respeito com a perda. O jornalista sabe que está sendo chato, inconveniente, mas não pode recuar, se o propósito é informar o leitor ou espectador sobre fato de interesse público.’
Novamente a questão em torno de saber o que é ou não importante vem à tona. Na obra Teorias do Jornalismo (dois volumes), Nelson Traquina explana acerca dos critérios de noticiabilidade. Entre os vários critérios, o autor destaca a morte como sendo uma das principais classificações de valor-notícia sobre um fato. Ou seja, havendo morte, o acontecimento se torna mais importante como notícia do que os demais. Nesse ínterim, a fim de personificar um fato, os jornalistas muitas vezes são designados a colher depoimentos de parentes das vítimas, o que de fato é uma árdua tarefa. Em suma, os depoimentos pouco variam de expressões como ‘é um momento de muita dor’, ‘nós estamos sofrendo com a perda’, entre outros, o que é mais do que evidente.
Cenas fortes – de violência e terror
Entretanto, o que causa mais espanto é que o público consome esse tipo de informação, muitas vezes atrelada ao sensacionalismo. No artigo ‘Cobertura da tragédia na TV foi um desastre!‘, publicado no site da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) sobre a cobertura jornalística em torno das enchentes ocorridas em Santa Catarina no final de 2008, Antônio Brasil explana que as tragédias são um chamariz de audiência, principalmente para os telejornais:
‘[…] O que fica evidente é que para as nossas redes de TV `tragédia´ significa antes de tudo `oportunidade´ para aumentar a audiência e investir na própria imagem. E dá-lhe excesso de matérias que dizem pouco e não explicam nada. O verdadeiro objetivo é comover o público e ajudar a inverter a longa tendência de queda de audiência dos telejornais.’
Ainda sobre a tendência do público a consumir informações sobre tragédias, Elson Rezende de Mello cita no artigo ‘A tragédia de Beslan e a violência na televisão’ a insensibilidade dos telespectadores em face de notícias negativas:
‘Na atualidade dessas imagens, inseridas nas redes de informação e nos fluxos de consumo, a busca da audiência a qualquer preço se impõe, e com isso se acelera o que é pertinente e é de bom senso transmitir. Há uma cultura que aparentemente vai se ampliando a cada transmissão mais ousada. Tragédias como as relatadas já tiveram seus antecedentes, que prepararam os telespectadores. Assim como cenas de Beslan, por sua vez, preparam para outras tragédias, ainda mais fortes. Já que os telespectadores vão se tornando insensíveis, para cativá-los como audiência serão necessárias mais cenas fortes – de violência e terror.’
Sensacionalismo é leviano
É o que fica aparente diante das notícias sobre o voo AF 447. O que dá a entender é que os veículos estão em busca de cenas fortes, sobretudo das vítimas. Tal qual em fatos como a queda do avião da Gol anos atrás, o que se espera são imagens dos mortos, tudo com a finalidade de obter audiência e vender jornais.
Desse modo, onde fica a linha tênue em ser designado para informar a sociedade e a ética para com o jornalismo? O que o público irá ganhar, de fato, com a dor alheia externada de forma sensacionalista pela imprensa?
Enquanto os veículos se ocupam em ganhar audiência, embasando sua busca desenfreada por estar ‘informando a sociedade’, deveriam, por outro lado, apresentar à população fatos sobre os direitos e os deveres dos governos quanto ao uso de dinheiro público, por exemplo. Não que noticiar tragédias seja incorreto, mas abusar do papel de comunicadores para promover o sensacionalismo em busca de audiência é leviano. Que se respeite a dor em um momento como este – e não espreitá-la tal qual um urubu sobre uma carcaça.
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Estudante de Jornalismo, Faculdade Estácio de Sá, Florianópolis, SC