No ano passado, já tinha recebido sinais fortes de que Veja preparava uma mudança na sua linha editorial, na agressividade incontida, nas reportagens mal fundamentadas, nos factóides sistemáticos, no alinhamento ostensivo com Daniel Dantas. O simples fato de ter sido procurado por um enviado pessoal de Roberto Civita já era um sinal.
De outras fontes, fiquei sabendo que os leitores da revista estavam incomodados com a idéia fixa da revista, criando factóide em cima de factóide, desmoralizando a cada edição o exercício do jornalismo. Havia sinais, também, com a entrada de nova direção na Abril, de mudanças ainda no primeiro semestre, devido ao óbvio desgaste da revista com setores formadores de opinião.
A capa da revista Imprensa deste mês é com o diretor de redação Eurípedes Alcântara. A abertura da entrevista diz tudo sobre as intenções da revista (Sinval, Sinval):
‘Se revistas tivessem almas, a da Veja transbordaria de seu corpo’.
Ah, Sinval Itacarambi Leão, você não aprende.
Prossegue assim:
‘Por trás de tantos zeros – à direita, diga-se – está Eurípedes Alcântara, diretor editorial da Veja e cérebro de seu atual projeto jornalístico. Sua sala, diferentemente do que se possa imaginar, é quase espartana, bem como seu senso de humor – um traço tão delicado que é quase imperceptível – e sua ira contra aquilo que considera ruim para o jornalismo, para a Veja, para o país’.
E se explica assim:
‘Quem procura nele evidências grandiloquentes, frustra-se. Elas pertencem apenas à revista Veja, onde passou seus últimos 28 anos profissionais, em vários cargos e atingiu agora o posto máximo, com indícios no mercado de que esteja próximo de uma promoção. E, talvez, de uma sala mais superlativa’.
Aí está a explicação. Nunca vi ninguém ser promovido do ‘posto máximo’. E esse é o ponto central que explica a matéria da Imprensa (Sinval, Sinval, que besteira). A revista foi informada da ‘promoção’ do ‘posto máximo’ pelo próprio Eurípedes, caso contrário seria a primeira pergunta a ser feita. E nada foi perguntado.
Qualquer pessoa que conhece a estrutura da Abril sabe que ‘promoção’ do ‘posto máximo’ de diretor da Veja é o chamado ‘chute para cima’. O cargo jornalístico mais importante da editora é o de diretor de redação da Veja. Ele responde diretamente a Roberto Civita, sem intermediários. É a ele que acorrem políticos, empresários, publicitários e banqueiros. Por isso não existe ‘promoção’. Pode-se oferecer-lhe o cargo de supervisor editorial ou o nome que se dê mas, ao tirar da operação, pode até haver aumento de salário e de sala, mas não é promoção, é aposentadoria.
A entrevista
A entrevista, em si, nada acrescenta. Apenas revela que Eurípedes tinge o cabelo com tinta preta forte, dando um ar de peruca, cita Karl Popper, para mostrar erudição e lança insinuações sobre minha motivação na série ‘O Caso da Veja‘.
Os repórteres Rodrigo Manzano e Karina Padial, aliás, se esmeram no trabalho de me colocar na mira, para que Eurípedes atire:
‘P: Você, então, acredita na participação de um padrinho?
R: Falam que existem outras motivações que não apenas a de atingir a Veja e aumentar a audiência do blog dele.’
E mais não disse. Os repórteres poderiam ter indagado que evidências ele dispõe, ou quem seriam os supostos padrinhos, essas perguntinhas básicas para qualquer entrevistador. Poderiam ter questionado, se essa suspeita fosse real, a troco de quê Roberto Civita mandaria um enviado pessoal me propor um pacto de não agressão em nome da liberdade de imprensa. Não proporiam pactos, se pairasse qualquer dúvida sobre a motivação da série.
Mas os repórteres obviamente não podiam sair do script combinado com o Sinval.
Na última Veja, já havia os seguintes indícios adicionais de mudanças radicais:
1.
A revista não fala nada do relatório da Polícia Federal tentando incriminar Protógenes e desqualificar a Satiagraha. Até então, inventava entrevistas com Itagyba e outros para manter o tema no ar.2.
Contra todas suas convicções, defende a posição do ministro Tarso Genro no caso Battisti. O título é ‘Tarso pode estar certo’. Ontem [domingo, 18/1], durante todo o dia, a home do portal da revista ostentava um vídeo com entrevista com Tarso.3.
Escreve sobre a candidatura Dilma Rousseff – e sua plástica – sem as costumeiras baixarias da era Eurípedes-Sabino. Saiu uma matéria relativamente isenta (clique aqui).Quando comecei a série, apostei que as mudanças na Veja ocorreriam antes do fim de 2008. Errei por pouco.
Nos próximos meses, ela tentará recuperar parte da credibilidade jornalística, que se esboroou à luz do pior jornalismo que a grande imprensa brasileira produziu em muitas décadas, um estilo que emporcalhou a profissão, passou a sensação de que o jornalismo de esgoto era um fase definitiva na involução da imprensa brasileira.
Não era, não podia ser, a não ser que se acreditasse que o país voltaria aos tempos de barbárie. Minha aposta não foi no poder de fogo da série, mas na convicção de que aquele tipo de jornalismo não poderia ter vida longa.
Nessa nova fase, os pistoleiros não terão mais serventia. Mas na biografia da Abril ficará uma mancha que a acompanhará por muitas décadas. Poderá mudar o estilo, mas não convencerá a mais ninguém sobre suas motivações. Especialmente as testemunhas e vítimas desse jornalismo de esgoto.
Jóias da entrevista
Da revista Imprensa, duas pérolas imperdíveis:
‘Se revistas tivessem alma, a da Veja transbordaria de seu corpo.’
‘A Veja é uma entidade maior do que as páginas que a abarcam.’
Do Eurípedes
A entrevista de Eurípedes é inacreditável. Tomada ao pé da letra, é uma autocrítica tardia de todos os erros cometidos pela revista ao longo de sua gestão. Mas ele apresenta como se fossem postulados seguidos em todo esse período.
Todos os vícios da revista estão apresentados pelo inverso, na entrevista. Tudo o que a revista deixou de fazer nesse período é apresentado como jornalismo correto.
‘No Brasil, ainda me exaspera as questões serem colocadas como um Fla-Flu.’
‘A Veja é uma revista que tende a acreditar nas instituições.’
‘Turbinada por questões ideológicas, a imprensa também está em xeque. Se o jornalista vier só com opinião, pode ser destroçado.’
‘Talvez (os repórteres) estejam desencorajados com a idéia de que a presença deles em determinado cenário acrescente algo, por causa da onipresença da internet.’
‘Hoje a Veja e o governo têm mais pontos em comum do que divergentes. Você não vê a Veja torcer para que tenha uma crise no ano que vem e que a popularidade de Lula caia e ele não faça o sucessor.’
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Jornalista