A evangelização realizada pelas igrejas neopentecostais tornou-se parte obrigatória da programação de diversas emissoras da televisão aberta. São inúmeros os programas que têm o intuito de oferecer informação e ‘salvação’ para um público que sofre influência de verdadeiras produções espetaculares.
Nessa relação mídia e religião, a pregação tradicional saiu de cena dando lugar a verdadeiros ‘shows midiáticos’ com os fiéis hipnotizados por líderes de grande carisma. O público que assiste aos ‘cultos-espetáculos’ torna-se uma massa consumidora de diversos produtos culturais vendidos por influência da mídia: CDs, DVDs, camisetas, livros de auto-ajuda, bíblias voltadas para o êxito financeiro, excursões a encontros religiosos e viagens internacionais, entre outras promoções. A tele-evangelização proporciona, atualmente, um alcance ainda maior para a ‘fé’ do terceiro milênio, onde a recompensa para os fiéis não está no plano metafísico, mas, sim, projetada no campo material. A recompensa aos fieis que ‘consomem’ o produto fé está na conquista de emprego, de dinheiro, do retorno da pessoa amada, além da tradicional ‘cura’ de doenças em que a medicina não consegue obter êxito.
Algumas emissoras, como a Rede Bandeirantes, mesmo não tendo uma orientação para uma determinada igreja ou religião passaram a contar com parte da sua grade com programas independentes de igrejas neopentecostais. Sinal dos tempos em que a midiatização possibilita que as igrejas ampliem o quadro de fiéis. No caso da emissora da família Saad, há uma média de três programas diários de cunho religioso, todos de igrejas distintas.
A expansão do neopentecostalismo
O atual movimento neopentecostal é reconhecido, por alguns autores, como a terceira onda do pentecostalismo – um fenômeno religioso que aportou no Brasil a partir da primeira década do século 20. Diferente das duas primeiras ‘ondas’, esse novo pentecostalismo – que surge na década de 70, com a presença de líderes carismáticos como Edir Macedo e R.R. Soares – terá sua força nos ritos de cura divina, exorcismo e, principalmente, na consolidação de uma espécie de teologia da prosperidade, onde o dízimo e as ofertas são moedas de troca em uma relação onde o fiel é ‘convidado’ a doar dinheiro para obter as graças materiais que deseja.
Com o advento do tele-evangelismo – herança norte-americana das décadas de 60 e 70 – igrejas como a Universal do Reino de Deus (1977) e a Internacional da Graça de Deus (1980) tornaram-se as mais conhecidas, dentre muitas outras que passaram a ganhar espaço na mídia em todos os rincões do país.
O movimento que gerou o neopentecostalismo acabou produzindo algumas denominações, como O Brasil Para Cristo, Deus é Amor, Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus. Estes são os maiores representantes do neopentecostalismo no Brasil. Além delas surgiram centenas de igrejas locais desvinculadas de grandes estruturas, formando o que se chama de ‘pentecostalismo autônomo’. Geralmente estas igrejas existem sem uma doutrina global, sem uma teologia sistematizada, e orbitando sempre ao redor dos ensinos de um líder centralizador, que é inquestionável, um ‘déspota esclarecido’ teológico (Coelho Filho: 2004)
A evangelização pela mídia começa como fruto do processo de industrialização dos anos 50 – quando uma massa de trabalhadores migra para as grandes cidades e passa a frequentar as igrejas como forma de criar um vínculo social – e ganha o alcance atual a partir dos últimos anos da ditadura militar. É com a distribuição de concessões de rádio e televisão que se impulsionou a tele-evangelização no país.
No Brasil, desde a legislação de 1962, a permissão de radiodifusão sonora de sons e imagens era de competência exclusiva do presidente da República. Tal estrutura, onde a decisão cabia ao Poder Executivo, manteve-se durante a ditadura, sendo que o governo Figueiredo (1979-1985) foi o principal ‘financiador’ de concessões. Nos últimos dois meses de governo, Figueiredo aprovou 91 decretos, número similar ao total do ano anterior (99 decretos). Muitas dessas concessões eram para grupos expressivos da mídia, como Bandeirantes e SBT, mas também para emissoras ligadas às igrejas evangélicas. O pastor Nilson do Amaral Faninis, líder da Igreja Batista Memorial de Niterói, pode ser citado como exemplo, afinal obteve o direito de transmitir sua programação evangélica através da concessão do Canal 13 pela sua relação de amizade com o general Figueiredo (Fonteles: 2007).
Auxílio em troca de apoio eleitoral
Após a redemocratização, o número de concessões antes da aprovação da carta de 1988 foi ainda maior. No período que vai de 1986 a 1988, durante o governo José Sarney (1985-1990), foram outorgadas 1.028 concessões de rádio e televisão, sendo a maioria para políticos. Após a Constituição e, por uma reivindicação da Federação Nacional dos Jornalistas, o poder de aprovar concessões passou a ser dividido pela União com o Poder Legislativo. O que poderia ser uma evolução na democratização da informação, já que o poder de outorga passaria do Executivo para o Legislativo, não surtiu efeito nas últimas duas décadas. Ao contrário: quem analisa e decide sobre as concessões que devem ser feitas ou renovadas são os parlamentares. Ou seja, a prática do coronelismo eletrônico por parte de deputados e senadores é uma constante e isso fica explícito em um levantamento de 15 anos atrás onde 31,12% de todas as emissoras de rádio e televisão do país eram controladas por políticos (DEAK e MERLI: 2007).
Dessa forma, a generosa distribuição de concessões está ligada aos interesses políticos, onde um círculo de ‘amigos do poder’ obtém vantagens especiais por sua ligação com o governo. Esses políticos, em sua maioria, são proprietários de emissoras de rádio e televisão, mas também ligados às igrejas evangélicas. Nas engrenagens da vida política, torna-se benéfico aos parlamentares o apoio de um eleitorado que cresce dia após dia via tele-evangelização. Assim, é possível aumentar a participação política para os interesses da igreja. Essa ligação é cada vez mais explícita na esfera televisiva. A fé aliada ao poder político e midiático forma uma ‘trindade’ que legitima uma práxis pragmática e distante de uma teologia espiritual. O que se vê é a expansão de um show onde o líder carismático domina a massa e propaga o valor da fé através das ofertas e dos dízimos: quanto mais elevada for a oferta, mais ‘salvo’ estará o crente.
[…] A cada dia novas igrejas alugam horários, compram rádios e buscam mais e mais espaços na mídia para que possam ‘dar seu recado’ a todos. Atualmente, cerca de 10% do que é transmitido semanalmente pela televisão brasileira é produzido por igrejas e organizações evangélicas (FONSECA, apud FONTELES: 2007).
Nessa relação, todos saem ganhando: as emissoras são muito bem pagas para veicularem produções independentes; as igrejas neopentecostais expandem seu ramo lucrativo de comercializar o produto midiático da fé, e os políticos proporcionam concessões e auxílios às igrejas neopentecostais em troca de apoio eleitoral e sustentação dessa massa eleitora que os interessa a cada pleito.
A fé como formadora de identidade
A mídia evangelizadora é herança do tele-evangelismo norte-americano. A força de adesão a esse modelo de evangelização é comparada ao conceito de Castells (2000), que vê na construção de identidades, nas últimas décadas, o exemplo do fundamentalismo cristão, movimento de grande alcance nos EUA. Conforme Castells (2000), o crescimento do fundamentalismo cristão se dá nas décadas de 80 e 90 como uma reação ao patriarquismo, decorrência das vitórias conquistadas pelos movimentos sociais oriundos da contracultura, como o movimento gay e o feminista, que fizeram com que a tradicional família americana entrasse em crise. O fundamentalismo, assim como a política conservadora adotada pelo governo Reagan (1981-1989), ganhou espaço como ação radical para a sustentação de um modelo de vida mais intolerante às diversidades sociais. O modelo de fundamentalismo cristão segundo Nishida e Marzano (2002) baseia-se:
[..] no número de recompensas que aguarda o cristão que obedece aos princípios de Deus e por ter uma visão de família de forma patriarcal (homens trabalham e ‘mandam’ em suas famílias, mulheres apenas como mães e com submissão e complemento emocional do homem) e seguindo as instituições da sociedade tradicional, tem como grandes inimigos as feministas e os homossexuais. Ele é um movimento voltado à construção da identidade social e pessoal (NISHIDA, Júlio César Candia e MARZANO, Thiago Faria: 2002).
Nishida e Marzano (2002) salientam, ao utilizar os conceitos de Castells (2000), que a religião é uma forma ativa para a sociedade e seus atores encontram consolo em sua relação com os demais e com o mundo. Além de possibilitar o encontro com indivíduos que têm os mesmos interesses, possibilita, com a participação em grupos voltados a um ideal em comum, o sentimento de pertencimento a algo maior. Portanto, é uma das maiores fontes de construção de identidades.
A herança americana também auxiliará, de certo modo, na formação de uma identidade fundamentalista. Como nos EUA, o uso da mídia no Brasil será de grande valia para a formação dessas identidades coletivas. Aqui, o aumento da mídia evangélica está atrelado ao contexto político e econômico dos últimos 30 anos. Sob tal perspectiva podemos entender a mídia evangélica dentro da ideia de indústria cultural. Se a comunicação de massa e a própria indústria cultural ganham espaço na realidade brasileira a partir dos anos 70, as igrejas neopentecostais percebem que a melhor forma de popularizar sua mensagem frente ao público consumidor é através da mídia.
Com uma política que favorecia a importação de produtos e com os meios de comunicação de massa promovendo o desejo de consumo, um cenário favorável à indústria cultural foi estabelecido durante o período ditatorial. Após o fim do regime militar, em 1985, arrefecem os interesses ideológicos da sociedade brasileira regulada por um mercado cultural que sustentava o novo sistema democrático. Essa nova realidade social segue o modelo neoliberal em voga com as potências americana e britânica. Ou seja, caem por terra as ideologias políticas e elege-se o consumismo como ideologia maior.
Indivíduo concentrado e ‘adormecido’
Serão esses consumidores que estarão à procura de novos valores para a vida: o êxito na vida profissional faz com que se adquiram bens materiais como carros, casas, eletrodomésticos de última geração. O próprio sucesso na vida financeira é a chave para a felicidade familiar. A busca por vitórias materiais é o símbolo de uma massa social sem mais ideologias, mas dominada pelo capital e pela indústria cultural que determina os novos valores.
O sentido de buscar uma identidade comum e pertencer a um determinado grupo que proporcionasse aos trabalhadores, oriundos de outras regiões do país, uma territorialização com base na igreja evangélica é uma das forças que impulsionaram os grupos neopentecostais.
O neopentecostalismo formará um movimento urbano de pessoas que não encontram mais respostas em grupos de ideologia política, como os movimentos sindicalizados no final da década de 70. Além disso, está presente nesse fenômeno social o sentido de busca por uma identidade comum de pertencimento e territorialização a um determinado grupo. Isso porque o contexto social é outro. Com o fim da ditadura militar e a decadência de uma proposta de contrapor o discurso neoliberal, parte da sociedade brasileira passa a aceitar o paradoxo global apontado por Castells (2000). O autor trabalha com a ideia de sociedade estruturada em um sistema mundial […] onde as forças políticas com bases cada vez mais locais num mundo estruturado por processos cada vez mais globais […] definem a realidade. Em comparação com o estudo de movimentos urbanos desenvolvido por Manuel Castells, os fieis das igrejas neopentecostais sofrem a mesma interferência dos processos de cultura global. Para tanto, apóiam-se em uma identidade defensiva e de fechamento em si, alternativa para a imprevisibilidade do desconhecido em um período de mutações sociais cada vez mais velozes. ‘Subitamente indefesas diante de um turbilhão global, as pessoas agarram-se a si mesmas: qualquer coisa que possuíssem, e o que quer que fossem, transformou-se na sua identidade‘ (CASTELLS: 2000).
Identidade forjada por uma magia mítica como a desenvolvida pela indústria cultural. Adorno e Horkheimer comparavam a ação da indústria cultural ao poder da magia que controla o povo, mantendo-o alienado para a realidade que sustenta a ordem dominante.
O engodo da indústria cultural, cujo poder lembra o da magia mítica, será duplo. Ela mantém as massas surdas, não as encoraja a recuperar a audição e reforça ainda mais essa enfermidade ao fazer acreditar que não há problema nenhum, que todos escutam muito bem. Produz, então, uma série sonora ininterrupta e sempre repetitiva que, por assim dizer, ocupa constantemente ouvidos e cabeças como se não houvesse nem possibilidade de silêncio nem possibilidade de sons outros (GAGNEBIN:2008, p 18).
Gagnebin (2008) reitera que o povo sempre teve os ouvidos tapados pelo ‘chefe’, portanto, não é surdo de nascença. Mas a sociedade, de todas as formas, fabrica a surdez que concentra a massa a esgotar as possibilidades de escolha e discernimento, afinal uma massa que potencialize sua liberdade de escolha seria perigosa para as bases dessa pseudo-democracia forjada pela indústria cultural. A mídia, que espetaculariza tudo, faz com que a fé seja mais um produto a ser adquirido e consumido. Portanto, conforme artigo de Oliveira (2008), a indústria cultural produz uma força que entretém o publico para que este não gaste sua energia acumulada, podendo reproduzi-la apenas no campo do trabalho. Ideia abordada pelo filósofo alemão Herbert Marcuse, que, segundo Oliveira, observava a ação do trabalho tornar-se vital apenas para o consumo de bens. Vendido como a ilusão de que se vive em liberdade, consequentemente o indivíduo perde sua autonomia e fica cada vez mais passivo, entregue às decisões de líderes, mantendo-se concentrado e ‘adormecido’ e podendo, dessa forma, estar integrado a um sistema que privilegia os atores que detenham o poder de consumir.
A indústria cultural e o controle de fiéis
Numa sociedade que disponibiliza, como diferencial entre seus agentes sociais, o grande poder do consumo de bens, há oferta de tudo para todos os gostos. Assim, gera-se uma sociedade vazia em valores e princípios básicos, mas que procura suprir essa carência com a eterna necessidade de compra, adquirindo até mesmo produtos ligados ao mercado da fé, no afã de que, assim, possam ser respondidas algumas demandas individuais, travestidas de necessidades espirituais.
Na perspectiva contemporânea o controle do indivíduo é realizado pela indústria cultural que a partir do que Adorno e Horkheimer definem como capitalismo administrado leva a uma dominação social sem totalitarismos, mas passa para uma forma de controle de consciências. Essa ligação entre instituições democráticas com o capitalismo faz com que o controle social neutralize o pensamento crítico do indivíduo que passa a aceitar passivo a uma espécie de ditadura sem armas, mas que o deixa homogêneo perante os demais indivíduos e simplificado em sua consciência regulada por líderes que ditam os rumos da sociedade perante as leis mercadológicas.
Dessa forma, o indivíduo passa a se conformar com sua condição social onde a crítica, criatividade e espontaneidade são condicionadas para padrões submissos e normalizadores de conduta. É essa tentativa de preservação individual que gera uma massa conformista. Pessoas que aceitam as normas impostas adotam tal comportamento para cumprir com o instinto da autoconservação, uma espécie de comportamento racional de adaptação ao sistema.
Por sua vez, os indivíduos eliminam a identidade e vivem à mercê de limites que interferem na subjetividade, fazendo que com que se perceba um ser frágil e dependente de uma força maior, o que os teóricos da Escola de Frankfurt definiram como comportamento mimético: transformação em algo análogo aos objetos que o cercam e que lhe conferem uma identidade. Ou seja, essa espécie de ‘esvaziamento’ de personalidade determina que o grupo social transforme-se numa massa espectadora que passa por uma profunda mudança em seus valores, esses atualmente remodelados para o consumo em nome da autoconservação.
Não há mais tempo para a contemplação de uma vida espiritual, sem a interferência da mídia. Nesses dias de consumo ávido, a promessa de paraíso e a vida eterna tornam-se ideais do passado, quando vistos sem a espetacularização proporcionada pelos programas religiosos. Os principais objetivos para quem busca a integração a uma religião comportam novos valores, entre eles o consumismo de símbolos de status. As igrejas neopentecostais prometem o agora, o estado absoluto do presenteísmo onde o que vale é uma posição no status quo. É a ascensão social e a realização material que dá sentido para as suas vidas.
Isso representa um diagnóstico da fragilidade emocional, gerada por uma série de fatores como problemas financeiros, de saúde, emocionais, entre outros. Esses problemas são apresentados pela mídia evangelizadora que impõe à massa, velhas táticas dos aparelhos de repressão fascista como a propaganda agressiva onde o povo se submete às diretrizes impostas por um líder autoritário.
A massa, que tem os instintos reprimidos, vai ao culto e declara devoção ao líder carismático em espetáculos que provocam a catarse. Nesses cultos de celebração, o imponente pastor dita as verdades por ser um ‘escolhido’ de Deus, e os fiéis que o aclamam não diferem em sua adoração de um povo que apoia governos e regimes totalitários.
‘Dar início a um novo começo’
Homens sustentados por uma convicção que beira o radicalismo, são induzidos muitas vezes ao preconceito e a intolerância na defesa de seus ideais. Nos programas evangélicos, não são raros os momentos em que o pastor-apresentador usa de sarcasmo e deboche para falar das pessoas que não se enquadram no modelo de fiéis. Ao discriminar todo e qualquer preceito que não seja idêntico ao de sua igreja e organização social, o líder fomenta a radicalização.
Os líderes carismáticos apontam pela comunicação massiva as ‘verdades’ necessárias – discursos midiáticos que reiteram a espetacularização da fé – ora em tom autoritário, praguejando contra aquilo que se refere ao ‘demônio’, ora de forma engraçada e simpática ao comentar das potencialidades da igreja que lideram. As mudanças na fala, no gestual e no comportamento conferem ao pastor-apresentador um poder quase ‘sobrenatural’. Os casos de cura e expulsão de demônios realizados frente às câmeras dão à tônica espetacular e sensacionalista. Os líderes detêm poderes heroicos que servem para consolidar a imagem dos escolhidos por uma força superior a doutrinar o rebanho, o povo, o telespectador.
Outra característica dos programas religiosos – e que configura seu caráter de espetáculo – é a dramatização de histórias que servem para causar a emoção ao telespectador com a situação ali encenada. Esses ‘casos da vida real’, interpretados por atores, servem para proporcionar o mesmo sentido de quem assiste a um filme ou uma telenovela: a identificação com o que é simulado frente às câmeras.
Assim, como os telespectadores se identificam com as pequenas histórias apresentadas sempre em tom confessional, os depoimentos apresentados pelos fieis presentes aos cultos televisionados e, que são curados durante a gravação do programa, também causam em quem assiste aos programas evangélicos, o fator da construção de realidades através dos discursos causados pela mídia. Ou seja, os diversos depoimentos de cura divulgados durante o programa, servem para fabricar um consenso de que determinada igreja, bem como seus representantes e líderes, podem interceder junto ao indivíduo, tanto o que está presente na igreja como o que assiste ao culto-espetáculo pela televisão. Essa fabricação de consenso está atrelada ao que Habermas definia como […] fabricação de opinião pública utilizado pelos mecanismos de relações públicas (Cortes: 2002 p 16). Numa sociedade tão dependente das tecnologias e das intervenções na sociedade causadas pela mídia, têm-se a idéia de ‘mundo comum’, conceito realizado por Hannah Arendt e que passa a se […] constituir em uma dimensão crucial de espaço público (Cortes: 2002 p 17).
[…] o espaço público é o espaço do aparecimento e da visibilidade – ‘tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por todos’ – e essa visibilidade pública é o que constrói a realidade. O espaço público é construído pela ação e pelo discurso. Ação significa ‘dar início a um novo começo’, mas esta necessita um espaço de aparecimento e do testemunho dos outros para que ganhe significado: o espaço público é o lugar que preserva a ação do esquecimento. Todas as coisas não comunicadas e incomunicáveis, que não foram nunca confiadas a ninguém, deixam de existir, pois ‘não há para elas um lugar permanente na realidade’ (1991) (Cortes: 2002, p 17).
O processo dos ‘discursos-verdades’
Com essa potencialidade de transformar a realidade, Cortes (2002, p 18) destaca que a vida pública adquire significado quando é vista e ouvida. Os relatos dos fieis quando apresentados nos programas religiosos configuram um suposto caráter de credibilidade. Se estiver sendo veiculado pela mídia e, no caso dos programas religiosos, conta com o apoio do pastor, visto como o líder e representante naquilo em que se acredita, toda e qualquer mensagem é chancelada como verdade acima de tudo. As características da tele evangelização estão na divulgação de uma espécie de ‘contrato social’ entre os fieis e o veículo de comunicação. Não se trata do vínculo do fiel com a igreja, mas, sim, a sua participação como ator social reiterando a ideologia atual de consumismo absoluto. O vínculo é o da compra de todos os utensílios vendidos pelos programas evangélicos, mas também a obrigação de não ser apenas um ‘fiel-espectador’ do programa midiático, mas a de colaborador das obras da igreja, no caso da oferta que é destacada pelos pastores-apresentadores como instrumento de fé e sustentação do programa que é veiculado em emissoras de televisão. Não são raros os momentos em que os pastores-apresentadores pedem ao vivo a colaboração para manter o programa no ar. Ao utilizar o recurso de que as pessoas devem se sentir ‘tocadas por Deus’, para, aí sim, realizarem a oferta em dinheiro, o pastor lança do artifício de sensibilizar os telespectadores para que paguem os valores exigidos, podendo assim ter suas graças alcançadas.
Táticas que influenciam na fidelização, como por exemplo, os sermões agressivos. Pode-se fazer uma analogia com o estudo de personalidade autoritária de Adorno, onde se observa os fiéis de igrejas neopentecostais com a mesma adesão submissa representada nas respostas dos entrevistados no estudo da década de 40. Em ambos, ressalta-se que o público submetido aos líderes carismáticos está propenso a condenar, rejeitar e punir aqueles que não apresentam a mesma vontade de pertencer a uma igreja, esta personificada por um líder. Autoridade que faz questão de sustentar sua contrariedade em relação às demais igrejas.
Quanto mais impotente se sente o indivíduo médio, mais ele vê na submissão e naquela adaptação mimética imediata, o único comportamento que lhe pode garantir a sobrevivência. Seu conformismo extremado é característica de uma adaptação automática que se tornou princípio de autoconservação (REPA, Luís Sérgio: 2008, p. 23).
O fenômeno midiático provocado pelas igrejas neopentecostais nas últimas três décadas provocou mudanças na própria evangelização católica. Com uma proposta mais ‘liberal’ e atendendo as demandas do ‘mercado da fé’, a resposta católica para a expansão da Igreja Universal veio através de emissoras exclusivas como a Rede Vida, que não pertence à Igreja Católica, mas é um projeto gerenciado pelo Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã, cujo enfoque é trabalhar com a tele evangelização. Fausto Neto (2001) define a diferença nas duas propostas da seguinte forma: enquanto a Universal tem sua natureza ligada ao espetáculo por ter nascido em plena era da expansão da comunicação de massa no país, na década de 70, a Igreja Católica tem outra historicidade, sendo que apenas um de seus espaços, o do movimento carismático, é que conseguiu adaptar a linguagem midiática para a evangelização, proposta obtida com êxito.
Ela encontra praticamente pronto o mercado dos carismáticos, uma população hoje estimada em mais de quatro milhões de católicos, além de outras camadas de pessoas consumidoras, igualmente, de outros produtos derivados deste ‘nicho midiático’, como terços bizantinos, discos, filmes, CDs, fitas cassetes, trios elétricos e dezenas de sites que cultuam, dentre outras coisas a ‘aeróbica da fé’. Nela se ‘casam’ os insumos tecnológicos com a atuação estratégica de atores que dão formato e vida a estes novos processos, que são no caso os ‘padres cantores’, por exemplo. (FAUSO NETO 2001).
Com a competência que consegue produzir discursos referentes ao mercado da salvação, a tele-evangelização ganha cada vez mais espaço por se tratar de um mercado rentável numa época de intensa procura por ‘verdades’. A mídia, detentora do processo de fabricar ‘discursos-verdades’ torna-se canal para novos atos religiosos, gerando uma relação entre os fiéis e a igreja mediada, principalmente, pela televisão.
Considerações finais
A adoração ao herói, ao indivíduo superior, a um líder, é essencial aos fiéis fragilizados emocionalmente, ainda mais por estarem sobrevivendo em um tempo onde as ideologias tradicionais perdem espaço e a própria igreja, como espaço de convívio e identificação de um grupo social, é remodelada no formato midiático. Esse novo formato para a fé atende as necessidades dos fiéis (oferecendo uma espécie de serviço de atendimento ao cliente 24 horas por dia), cujo modelo neopentecostal de programação midiática tem mais eficiência com as igrejas evangélicas porque estas trabalham melhor com o do espetáculo, que passa a ser a tônica do culto religioso. Ao contrário, a Igreja Católica, vem de uma tradição milenar sem o apoio da tecnologia. Porém, o tempo atual demanda uma posição idêntica de setores católicos.
Atualmente, algumas ramificações como o movimento carismático, cuja estrutura se adequou ao modelo espetacular de shows e programas como os apresentados pela Igreja Universal, tem uma proposta similar a de atingir o mercado da fé com shows, discos, DVDs, livros e toda oferta de produtos culturais. Nessa cruzada midiática, a fé é um novo produto vendido pela propaganda radical da salvação.
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Jornalista, Bagé, RS