Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A falsa informação

O jornalista Giorgio Bocca, tem uma coluna semanal, ‘Fatti nostri’ (coisas nossas) na revista Il Venerdi, encarte do jornal la Repubblica. No dia 14 de janeiro, com o título ‘Boi gordo e a falsa informação’, queixa-se exatamente da imprensa.

Antes, vale esclarecer o que está acontecendo na Itália há alguns anos. Não existem dúvidas sobre a qualidade da cozinha italiana, reconhecida mundialmente. Por esse motivo, e por extensão, os italianos pretendem que seus produtos também sejam os melhores do mundo. Tudo tem que ser DOC (denominação de origem controlada). Por exemplo, o já bem conhecido vinho frisante Prosseco só pode ter esse nome se vier de Valdobbiàdine, pequena cidade da região do Vêneto. Assim acontece com o presunto, com o queijo, com a água mineral e nem sei mais o quê.

Bocca chama a atenção para a enxurrada de besteiras sobre o assunto, que estão cada vez ocupando mais espaço todos os dias na imprensa. E cita como exemplo o boi gordo. Trata-se de um animal criado para tração de carroças, mas, ao envelhecer, durante um ano era alimentado à base de ovos e massas, o que dava à sua carne um sabor todo especial.

As colunas de culinária vivem falando dele, mas há um detalhe: a tração na agricultura foi tomada pelos tratores, portanto não existem mais bois gordos. Quando se fala que ainda nos açougues se encontra de sua carne, trata-se de falsa informação.

Não foi bem assim

Está foi uma forma chistosa que o jornalista encontrou para entrar na parte séria do assunto:

‘Mas essas besteiras passam aos milhares nos meios de comunicação, o seu dizer e desdizer vertiginoso impõem uma desinformação perene. Os patrões dos meios de comunicação podem ser cavalheiros amantes da verdade e da liberdade, mas devem obedecer aos ganhos e seguir o mercado, os índices de circulação e de audiência. A facilidade de comunicações, o fato que existam meios que ignoram as distâncias, que transmitam com a velocidade a luz, com imagens e cores perfeitas, não significa que sejam um instrumento de conhecimento; ao contrário, quase sempre se relevam inimigos’.

Continua Bocca, afirmando que as contradições mais evidentes acontecem nas informações econômicas, dominada por notícias falsas ou omissões gigantescas. Cita exemplos terríveis, como o da Fiat, a maior empresa italiana, que chegou à mais grave crise de sua história no silêncio da mídia, da mesma forma que aconteceu com a Parmalat. O mesmo ocorre na política, na guerra etc. Por este motivo é cada vez mais difícil ser informado e entender o que acontece, pois as notícias decisivas para o nosso futuro estão sempre escondidas atrás de um gigantesco jogo de contradições.

O lado irônico do artigo de Bocca aconteceu no próprio jornal onde estava encartada a revista (la Repubblica, 14/1). Na página 21 encontra-se o seguinte lide: ‘Arruinada pelo 53, suicida-se por causa da Loto – Perde tudo jogando no número que não sai há 170 extrações’.

Aqui vale outra explicação. Os italianos jogam muito, especialmente na loto. Na roda da cidade de Veneza, o número 53 não se apresenta há exatas 170 semanas, portanto muitos estão apostando nele, que singularmente pagará 12 vezes o valor da aposta. Jogam-se grossas importâncias. Portanto, ao ler o título da matéria assinada por Laura Montanari, imaginamos que alguém apostou tudo que tinha no 53 e, ao perder, vendo-se arruinado, cometeu suicídio.

Mas não foi bem assim: uma senhora de 58 anos gastou todos as reservas econômicas da família jogando, depois matou-se deixando uma carta para a família pedindo desculpas ao marido e aos filhos. No meio do artigo, Laura escreve: ‘Talvez tivesse apostado no 53 de Veneza que não sai a 170 extrações, talvez tenha apostado em outros números’.

Cabe a pergunta, o que o lide tem a ver com o artigo, se não se sabe que ela tenha apostado no 53?

Tem razão Giorgio Bocca: se até em informações de pouca importância se usa o falso, imagine nas outras.

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Jornalista