Muitas pessoas dizem que o tempo é o senhor da razão e do entendimento. Com os erros cometidos no passado, é possível tirar lições para a seqüência da vida e a partir deles melhorar. Provavelmente essa idéia não era – e não serve – para a imprensa brasileira e sua ânsia de criar monstros a qualquer custo.
O caso da menina Isabella, que morreu em São Paulo no final de março de 2008, é mais um exemplo do maniqueísmo, da estridência vazia e da falta de comprometimento com a apuração detalhada dos fatos em relação a uma matéria que deveria ser jornalística, mas na verdade ganha contornos de novela, fazendo com que o público fique sempre esperando o próximo capítulo e a queda dos ‘bandidos’ com o ‘final feliz’.
Pode ser que o pai e a madrasta da menina tenham cometido o crime, mas até o momento não há nada que prove que eles tenham praticado o ilícito. A prisão preventiva dos dois não é culpa definitiva, pois é possível que ela só tenha ocorrido devido à gritaria da imprensa em torno do caso; para dar uma ‘resposta à sociedade’ (expressão comum nos últimos tempos depois da pressão midiática), os ‘acusados’, chamados assim ao invés de serem tratados como suspeitos, foram encarcerados.
Ao que tudo indica, nada foi aprendido com o episódio da Escola Base em 1992, também em São Paulo, quando os donos do estabelecimento foram acusados de abuso sexual de crianças e crucificados previamente – e, de certa forma, para sempre – pela imprensa, mesmo que depois tenha sido comprovado que eles não eram culpados de nada.
Seriedade e bom senso
A imprensa, investida de um poder cada vez maior de penetração na sociedade em várias frentes (rádio, jornal, internet e, principalmente, TV), parece não se contentar em ser ‘o quarto poder’ e cada vez mais acua quem pode ter uma ligação, por mais leve que seja (isso quando tem alguma) com algum crime ou delito. Vemos isso também claramente na política em casos célebres, como o do deputado federal Ibsen Pinheiro, que foi acusado de participar da máfia dos ‘anões do orçamento’ em 1993, quando depois foi comprovado que ele nada tinha a ver com as fraudes.
Talvez por ver tanta impunidade na sociedade (ainda que não seja algo fora do contexto social), a imprensa veste-se de justiceira para tentar ela própria resolver as mazelas de tantos anos; quando acontece um caso como esse de uma menina que perdeu a vida estupidamente, tem-se a impressão de que nada pode ficar pior. Porém, ao invés de contribuir para a melhora do estado geral das coisas, a mídia de caráter sensacionalista só chafurda ainda mais na vala comum da obviedade, do cinismo e da espetacularização de um fato que, mesmo sendo triste e lamentável, deve ser reportado jornalisticamente, com isenção e verdade, não com ilações.
O bom jornalismo não se faz com indignação gratuita, pois sabemos, infelizmente, que não foi apenas uma menina que morreu naquele dia; temos de nos indignar com todos os abusos que as várias ‘Isabellas’ sofrem todos os dias e dos quais muitas vezes não sabemos pois não estão na TV. E quando tragédia semelhante ocorrer, que ela seja tratada com seriedade e bom senso, não com histeria e uma overdose de cobertura que não leva a lugar nenhum.
A continuar assim, o tempo não será o senhor da razão, e sim, da falta dela.
P.S. Recomendo, sobre o tema, o filme O Quarto Poder, do diretor Constantin Costa-Gavras, com John Travolta e Dustin Hoffman.
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Estudante, Divinópolis, MG