Sol, calor, a praia acenando com todos os seus atrativos após meses de mau tempo e, no entanto, milhares de santistas e forasteiros espumavam de raiva ao longo de quase toda a manhã deste último sábado [7/11]. Tudo porque, como vem ocorrendo em quase todo fim de semana nessas bandas, uma competição de sei lá o quê voltou a ocupar boa parte das avenidas da orla, atravancando ainda mais um trânsito normalmente problemático, já que o sistema viário da Baixada Santista, a exemplo dos grandes centros urbanos, caminha rapidamente para a saturação.
Ciente da inutilidade de reclamar junto à Prefeitura, cuja ouvidoria tem fama de ser cega, surda e muda, e face à improbabilidade de a imprensa santista sair de cima do muro e dar vazão à insatisfação generalizada com o abuso que representa a interdição de vias públicas de grande fluxo para a realização de todo tipo de eventos – com direito até a passeio de cães de estimação –, inevitável não pensar no quanto a gente padece por não poder contar com poderes públicos responsáveis e uma mídia atuante.
De transtornos corriqueiros, como o solene desprezo dos bancos à lei que prevê a espera de no máximo 20 minutos para atendimentos nos caixas, à violação dos direitos mais elementares, como o de ir e vir sem estar sujeito aos privilégios delegados a uma minoria, o que se vê, em muitos casos, é um total desprezo pelos anseios e direitos populares. Desamparo que se dá à revelia do próprio judiciário, que em nosso país, todo mundo sabe como funciona.
Nem uma notinha sobre denúncias
Estou de pleno acordo que se deva estimular a prática esportiva e que a promoção eventual de certos eventos contribuem não só para o incremento dos esportes na região como divulgam o nome da cidade etc. etc. Mas quando a coisa passa a ser rotineira, a pretexto de qualquer competiçãozinha chinfrim, prejudicando quem está trabalhando ou mesmo à passeio, tal regalia passa a ser inaceitável. Até mesmo porque o uso abusivo e indiscriminado da orla da praia para todo tipo de promoção vai se tornando uma espécie de imposição que tende a fugir do controle das próprias autoridades, uma direito adquirido que ninguém tem peito de revogar ou questionar.
Falta de coragem para peitar, questionar, que no tocante aos veículos de informação do grupo A Tribuna e seu fatídico monopólio na região, não só vem arruinando sua reputação através dos anos como prestando um considerável desserviço à população, como efeito colateral da política de escambo e compadrio praticada nas últimas décadas – e agravada sob o comando de uma geração de herdeiros sem a menor vocação jornalística. Desserviço configurado no jornalismo omisso e parcimonioso praticado pelo jornal que já foi um dos mais importantes de nossa imprensa regional e que resiste às próprias reformas cosméticas e seguidas mudanças de chefia em sua redação, ratificando a impressão de que, além da falta de profissionais mais qualificados, entrave ainda maior é a mentalidade provinciana dos patrões.
Inevitável não associar os problemas que afetam a população e prejudicam o desenvolvimento da região à letargia do grande expoente da imprensa local. Problemas como a exploração portuária sem a devida contrapartida social, o que a Codesp agora promete compensar com generosos investimentos na recuperação dos bairros adjacentes aos cais, se é que se pode acreditar no verdadeiro press release publicado por A Tribuna na semana passada. Por sinal, na mesma edição em que as gravíssimas denúncias de cinco fiscais da área de agricultura ao Ministério Público, relatando irregularidades na liberação de mercadorias no porto, conforme a Folha de S.Paulo divulgou em primeira mão há cerca de dois meses, não mereceram mais do que um uma notinha superficial e inconclusiva.
Jornal para cardíacos
Como já escrevi aqui outras vezes, nada disso é novidade ou surpreende quem conhece como funcionam as coisas numa região que parece à deriva, sem o amparo de uma imprensa que cumpra com o papel de cobrar e zelar pelos interesses da população. E isso mesmo em relação às questões mais simples, como a tal imposição de competições à beira-mar indiferentemente aos transtornos que isso possa causar, inclusive de danos irreparáveis, para quem tiver o azar de passar mal e precisar de ambulância em meio ao congestionamento de horas, por exemplo.
Tudo bem que um congestionamento a mais ou a menos talvez não seja algo assim tão grave e não possa ser encarado como um ônus típico do convívio de cidade grande, mas penso que o perigo maior está no conformismo, na aceitação bovina de tudo que vem de cima, nas arbitrariedades, ainda que aparentemente pequenas, que vão se repetindo e para as quais a imprensa continua sendo o melhor antídoto.
Ou o próprio veneno, como parece ser o caso de A Tribuna, com sua notória aversão à prática de um jornalismo honesto e comprometido com as causas da comunidade que representa. Algo que salta aos olhos, não só pelo enfoque normalmente superficial e reticente de sua cobertura, como pela tímida abordagem dos temas locais, patente em seus editoriais. Isso fica por conta dos colaboradores, que para todos os efeitos, não representam a posição da casa.
Não é à toa que a fama de jornal para cardíacos não desgruda.
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P.S. – E não é que teve repeteco no domingo, com a realização de uma prova de pedestrianismo em pleno Gonzaga?
Para completar, pego o jornal e leio que em um mês só a Polícia Militar, que em Santos tem o poder de multar, lavrou mais de 80 mil infrações de trânsito. Com a população dobrando na temporada, imagine-se o que vem por aí…
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Jornalista, Santos, SP