Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A farsa continua

A farsa de Edir Macedo contra a Folha de S.Paulo continua. No último Domingo Espetacular (06/04/09), da Rede Record, houve a divulgação de uma matéria especial chamada de ‘O escândalo da ditabranda’, referencia óbvia à citação do termo nos editoriais da Folha. Neste editorial, a Folha citou o regime militar como sendo uma ‘ditabranda’, ou seja, segundo a Folha, a ditadura militar brasileira havia sido mais branda e menos assassina do que as congêneres argentina e chilena.

Nessa reportagem especial, o repórter Raul Dias Filho assumiu a voz de Macedo, entrevistando personagens que sofreram com a ditadura militar com traumas, prisões e até com perda de empregos ou mortes de familiares. Entre estes estavam a jornalista Rose Nogueira, que foi torturada em 1969, acusada de atividades subversivas. Houve também entrevistas com professores e ativistas da esquerda brasileira (como a professora Maria Aparecida Aquino, da USP, que considera o regime cubano uma democracia).

Perguntas sem respostas

Não estou aqui para julgar este fato histórico, nem para tomar partido de legendas, ideologias ou tendências. Respeitemos a dor daqueles que, injustamente ou não (refiro-me com este ‘não’ aos que apelaram para a guerrilha armada), foram oprimidos pelo governo vigente e que possamos fazer com que este período tão trágico da nossa trajetória não seja esquecido ou manipulado por quem quer que seja. Apenas gostaria de salientar que, nesta reportagem da Rede Record, houve indubitavelmente o mau uso da tragédia alheia por uma emissora dirigida por uma instituição religiosa – a Igreja Universal do Reino de Deus. A IURD e, por conseguinte a Rede Record, parecem ter queimado, na fogueira do imediatismo comercial que as permeia, o manual da ética do bom jornalismo, os compêndios da decência, do bom senso e do direito básico do cidadão à informação correta e na medida do possível, imparcial.

Edir Macedo, que fomentou esta batalha contra a Folha, talvez não esteja muito interessado em passar a limpo a história conturbada desse período do Brasil, pois nenhum de suas emissoras ao menos citou a votação pelo fim da Lei de Imprensa iniciada na última semana. Essa mesma Lei de Imprensa dos tempos obscuros da ditadura militar que parece tão ao gosto do grande corifeu, visto que ela parece alimentar os sonhos do líder da IURD em controlar o pensamento crítico, a análise em todas as nuances possíveis, a liberdade e pluralidade de opiniões e a informação como forma de construção de uma sociedade mais justa e democrática.

Qual o grande alavancador de toda a ira de Edir Macedo para com a Folha de S.Paulo? A veiculação de que Macedo está doente? A divulgação de que a Rede Record News, inaugurada com pompas e presença do ‘nosso presidente Lula’ (é assim que alguns entrevistadores da emissora se referem ao representante máximo do Executivo) está com zero de audiência e tendo que arrendar horários para companhias de rodeio, empresas de televendas que vendem tônicos capilares e aparelhos para perder barriga? Ou quem causou a ira de Macedo foi a estagnação no crescimento de sua rede televisiva, gostosamente inflada com publicidade estatal do ‘nosso presidente’? Parece não haver resposta definitiva para tal questão.

Blocos frágeis de meias verdades

Creio que Edir Macedo irou-se contra a Folha por pensar que ao noticiar os fatos que envolvem sua pessoa, o jornal estaria maculando sua imagem construída há anos de obstinado incansável em busca de prestígio religioso. A sua imagem – melhor dizendo, a imagem que ele tem de si próprio – não é aquela que estamos acostumados a ver de tempos em tempos de um sujeito andrógino, calvo, com mãos de dedos afinados por uma doença hereditária, de voz esganiçada, circunspeto, imagem essa que é plural, podendo ser encontrada em seus pastores e bispos que tentam de qualquer forma imitar o líder em seus trejeitos e também na ideologia da prosperidade fácil.

A imagem que Macedo tem de si é a da predestinação insofismável, pautada em maia dúzia de dogmas que a seu ver são essenciais para o ser humano afirmar-se como tal. Macedo afirma que o plano Collor foi uma dádiva celestial, pois naquele momento econômico o dólar baixou a níveis nunca vistos, o que facilitou a liquidação da dívida que ele havia feito para a aquisição da Rede Record. Ou seja, muitos perderam, ele ganhou, pois era predestinado. Sua sina de ultrapassar a Rede Globo também tem algo de divino. Marinho está morto, os Bloch naufragaram (a extinta Manchete foi uma das primeiras a divulgar reportagens questionando o crescimento exacerbado da Universal junto com o crescimento de seu império midiático evangélico) pela soberba.

Isso tudo ocorreu graças à divina providência, que recompensa os seus fiéis e Macedo é um deles. Se alguém quiser ser como ele, é só seguir seus dogmas, suas fórmulas de auto-ajuda, aliadas a uma quase-ética utilitária para satisfazer os desejos mais imediatos do egoísmo humano.

Somente Macedo sobreviverá, a tudo e a todos. Sejam estes ‘tudo e todos’ a Folha de S.Paulo, as Organizações Globo, a ética, o bom jornalismo, o respeito ao direito do cidadão de estar informado com notícias que ouçam os dois lados da polêmica. O que importa para Macedo é a continuação de seu castelo terreno, construído com blocos frágeis de meias verdades e com tintas obtidas com o sangue e suor alheios, referindo-se aqui aos verdadeiros mártires da história, sejam religiosos ou os ditadura militar brasileira.

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Professor de inglês, Taboão da Serra, SP