Noticiou-se na sexta-feira (30/3) que a Organização das Nações Unidas deu início a um movimento pela adesão a um novo indicador de desenvolvimento em todo o planeta. Genericamente, a imprensa chama essa nova metodologia de “índice de felicidade”. Refere-se a o sistema adotado no minúsculo reinado do Butão, encravado entre a China e a Índia, que ficou conhecido como FIB – Felicidade Interna Bruta.
Nos últimos cinco anos, esse conceito frequentou reuniões e seminários de especialistas e militantes do movimento pela sustentabilidade e só muito recentemente começou a chamar a atenção de economistas e outros profissionais dedicados ao estudo do desenvolvimento.
Além da decisão oficial da ONU de rever os critérios para medir a situação econômica e social, anunciada por meio de resolução no ano passado, outras iniciativas transformam em informação credenciada aquilo que há cerca de cinco anos era tido, pelos jornalistas especializados, como coisa de hippies.
Oscilações e manchetes
Na semana passada, os jornais informavam que a Fundação Getulio Vargas está finalizando a criação de uma metodologia que deverá mensurar o índice de bem-estar dos brasileiros. Não por acaso, os coordenadores do estudo, Fabio Gallo e Wesley Mendes, chamam o processo de FIB – Felicidade Interna Bruta. A intenção é, claramente, diferenciá-lo do tradicional PIB – Produto Interno Bruto.
Este Observatório já havia anunciado, em novembro e dezembro de 2008 (ver “Imprensa na hora do balanço” e “O balanço dos erros”), o movimento pela superação de metodologias obsoletas usadas na análise do estado econômico e social dos países; e registrou em setembro de 2009 (ver “Como medir a felicidade”) que a Folha de S.Paulo foi o primeiro jornal brasileiro a encarar seriamente a necessidade dessa mudança.
Mas uma coisa é dar curso a teorias e outra é assumir as mudanças em sua própria casa. Por isso, até aqui a imprensa brasileira tem tratado a questão dos indicadores de bem-estar como uma externalidade.
Embora já se considere como uma proposta séria, o conceito de felicidade como indicador de desenvolvimento econômico ainda não entrou na cabeça dos editores.
A adoção de metodologias que levem em conta mais do que o resultado financeiro da atividade econômica produz ataques de urticária em muitos economistas e jornalistas especializados, porque tal conversão é vista como uma concessão que pode alterar a precisão das análises.
A ojeriza a questões intangíveis é parte da ilusão de controle que caracteriza certas áreas do jornalismo. De modo geral, mesmo com sinais evidentes de que determinados processos não produzem resultados confiáveis, há grande resistência em substituí-los como instrumentos para interpretação da realidade.
No caso do PIB, cujas oscilações ainda produzem manchetes na imprensa, há muito tempo se afirma que se trata de um indicador incompleto e eventualmente equivocado. Basta lembrar que catástrofes naturais, crimes e epidemias contribuem para elevar o Produto Interno Bruto.
Dialética e dialógica
Além disso, criação de riqueza nunca significou desenvolvimento, se não for considerado o bem-estar que ela pode criar e a distribuição desse ganho por toda a população. Portanto, medir o grau de desenvolvimento pela quantificação da riqueza produzida em determinado período há muito deixou de ser uma forma aceitável de calcular o nível de evolução de uma sociedade.
A questão que nos toca com mais proximidade é: por que a imprensa resiste tanto a substituir determinadas práticas que, a rigor, dificultam o entendimento da realidade?
Na ligeireza da observação diária, torna-se arriscado fazer afirmações definitivas, mas pode-se constatar que, de modo geral, a imprensa costuma analisar as questões polêmicas com o crivo da dialética. Embora a expressão tenha ficado muito marcada pela abordagem marxista, os jornais ainda costumam cotizar as vertentes controversas pelo confronto de seus significados.
Assim como a grande complexidade do mundo contemporâneo aconselha a rever os conceitos de riqueza e desenvolvimento, também está na hora de os mediadores do conhecimento passarem a observar as possibilidades de um diálogo entre ideias opostas.
Com certeza poderão fazer um retrato mais fiel da realidade.