A festa, no mundo das empresas e instituições, é vista como pura perda de tempo: herança bárbara, ainda em voga. Daí vem o ódio que gestores da tecnoburocracia têm de tudo que saia da mediocridade. Para se proteger, os operadores do óbvio criaram os cerimoniais, que banem a poesia e o berro, tão humanos e necessários. Se não está no manual ou no planejamento anual, o ser corporativo se contorce e não sabe se portar, agir, seguir em frente. Ou seja, indo além dos cerimoniais, as corporações não conseguem controlar desejos de viver, namorar, casar, morrer, que a maioria de nós mantém afastados e protegidos, felizmente, dos administradores.
Mas na noite de 21 de novembro, os 40 anos da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) foram celebrados com festa, cujo feito deve ser saudado e reconhecido: a burocracia não sufocou a alegria e a espontaneidade dos alunos, ex-alunos e professores, que fizeram do Teatro Municipal de São Paulo o palco de uma festa profana, que contou até com os fantasmas dos modernistas de 1922, Villa-Lobos, Chico Buarque de Hollanda, presente com sua Ópera do Malandro, apresentada por um grupo de ex-alunos do curso de Teatro da ECA.
E mais, tudo foi produzido com trabalho voluntário de professores, alunos e ex-alunos, principalmente dos cursos de Relações Públicas e Teatro. Eles se transformaram em porteiros, recepcionistas, assessores de comunicação, mestres de cerimônias, produtores de audiovisuais, narradores, cantores, dançarinos. Apesar de todas as dificuldades vividas pelas escolas públicas, nessa noite, o discurso transformou-se em realização. Tanto, que não ocorreu o que normalmente se vê em eventos dessa natureza, institucionais, que servem de escada para o jogo político, na aparição, debaixo dos holofotes, de políticos e autoridades, a transformar energia viva da sociedade em matéria oficial, seca, inerte.
Espetada político-poética
Vale como destaque de bom protagonismo, a boa-loucura, do professor Luís Milanesi, diretor da Escola. Ele apresentou os desafios gerados pela sociedade contemporânea por novas demandas de comunicação. A imagem de uma maquete dos futuros prédios da ECA-USP, interligados por pontes, a juntar inúmeros cursos da instituição, hoje isolados, foi uma metáfora que expõe a idéia empreendedora de promover a mestiçagem entre cursos e idéias.
O vencedor do ‘VI Prêmio USP de Comunicação Corporativa’, categoria ‘Trajetória Profissional’, Rodolfo Witzig Guttilla, em seu discurso de agradecimento criticou a visão corporativa, que atrasa o desenvolvimento da comunicação organizacional brasileira. Ele defendeu que ‘a comunicação é uma atividade mestiça, dado que resulta da soma de muitas influências e conhecimentos e faz do comunicador organizacional ser mais, em conteúdo, do que o jornalista, o relações-públicas, o publicitário, isoladamente’.
Guttilla, que é jornalista e antropólogo, trouxe de um poema de Mário de Andrade, a citação que lembra a identidade múltipla e diversa: ‘Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta’. A expressão re-citada por Rodolfo Guttilla soou como provocação para aqueles que defendem o fascismo corporativista e a pureza profissional no campo da comunicação organizacional.
O ‘comunicador do ano’, em sua referência explicita ao perfil mestiço e democrático do comunicador organizacional (e do brasileiro), que precisa, na universidade e na sociedade, ser defendido e celebrado, ficou como uma espetada político-poética, para bons entendedores. Para os maus, e os defensores de modelos antigos, inconcebíveis na sociedade de hoje, ficou a provocação do pensar, do deixar a zona de conforto, de colocar-se à prova e mostrar competências.
******
Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)