Boa parte do mundo que conhecemos é um espaço mediado por sensações e, portanto, muitas vezes esse espaço se afasta da realidade em nome de algo dito como real. A propaganda utiliza esse tipo de manipulação constantemente, provocando não apenas a invocação de sensações, mas o nascimento. Um exemplo claro é o da propaganda de cerveja. Nas peças publicitárias não é a qualidade que diferencia o produto, mas o símbolo sexual que segura a garrafa. A publicidade infantil também explora esse caminho. O que está por trás da Barbie? O modelo de uma mulher em miniatura, ou proporções de um corpo atraente impossíveis de serem concretizadas?
O caso da estudante hostilizada por ir à faculdade numa minissaia chama a atenção por vários motivos já elencados e discutidos incansavelmente nos últimos dias, mas um deles passou despercebido. Por que um vestido curto foi tão atacado por jovens que consomem a exploração da sexualidade como produto? Está em todo lugar: nos jornais, revistas, na forma como se vestem, no que acreditam, falam, nos pratos mais saborosos, nos refrigerantes e principalmente nos programas preferidos de TV. Numa noite do meio de semana, a novela de maior audiência do país mostrava duas cenas de sexo, com atores seminus. Antevendo aqueles que defendem o direito de escolha (direito do consumidor muitas vezes sobreposto ao direito do cidadão), mudei de canal algumas vezes. No segundo, um programa de auditório apresentava um desfile de lingerie. No terceiro, um filme americano recheado de palavrões, drogas, tiros e ‘prostitutas’.
O mundo que queremos
O que me espanta é a possibilidade de todos aqueles jovens não fazerem parte desse ciclo de consumo em que a mulher é produto-objeto e que para tê-la é preciso estar bêbado, ter um carrão, ouvir músicas degradantes e usar um desodorante potente, afrodisíaco. Se a abstinência for confirmada, proponho posicionar os alunos como seres especiais, merecedores de um espaço no mais alto altar, e a faculdade, seu templo.
Se for o contrário, é preciso agir rápido. Muito mais curta do que a saia foi a forma como a faculdade lidou com a situação. Pensando muito mais no setor financeiro do que ético. Para o caixa da Uniban, sai muito mais barato despejar uma aluna de saia curta na rua, do que centenas de alunos que não entendem, não se enxergam e não toleram ser contrariados, mal posicionados numa sociedade legitimada pelo consumo.
A mídia reproduz a lógica desse mundo e percorre o caminho já reconhecido em que esfola o objeto ao máximo sem encostar no espírito da coisa. Essa discussão não pode ser encarada como defesa de apenas uma jovem, pois todos são vítimas. Ótima oportunidade para sugerir o mundo que queremos.
******
Jornalista, Fortaleza, CE