Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A hipocrisia da mídia mascarada

A festa mais animada de que participei, nos últimos 20 anos, foi um baile de carnaval a fantasia promovido pelos publicitários Ricardo Rosado e Roberto Solino, da Faz Propaganda, no Guinza Blue, a boate do restaurante japonês na Via Costeira, lá em Natal. Fui fantasiado de José Rainha, o líder do MST que, assim como o cúmplice João Pedro Stédile, já comandou vários atos de violência em solo nacional. Alguns amigos e cidadãos de boa índole apareceram vestidos de soldados romanos, naquele manequim tradicional dos que chicotearam Jesus Cristo em sua via-sacra desde o palácio de Pilatos até o alto do Gólgota.

Desde os tempos das festas para a deusa Ísis e o boi Apis, no Egito, ou das chamadas Sáceas, na Babilônia, onde a folia era marcada pela libertinagem sexual, até chegar ao carnaval veneziano, a fantasia sempre foi o tempero maior dos festejos. Com as fabulosas dionisíacas, farras homéricas em homenagem a Dionísio, o deus da transformação e da metamorfose que fora expulso do Olimpo, as máscaras ganharam destaque. A partir de 590 D.C., quando o carnaval cristão invadiu a praia da Renascença e se espalhou por Nice, Roma e Veneza, deu-se à fantasia um tom de rebeldia e provocação à autoridade e às leis, era o paganismo mostrando suas garras e escondendo o rosto.

Nos tempos modernos, bailes a fantasia deixaram de ser apenas assunto de carnaval, sendo iniciativa para qualquer que seja o motivo, principalmente se este motivo tenha com mola propulsora um inferninho de jovens. Formatura, aniversário, despedida, reencontro, aprovação em concurso, aquisição de casa própria ou mesmo a ausência dos pais em casa, são grandes e perfeitos motivos para a galera vestir uma fantasia. Não consigo imaginar hoje que um jovem queira se vestir de Zorro ou de índio para ir a um baile a fantasia, principalmente se a música de fundo for no estilo bate-estaca dos DJs que comandam o balançar dos esqueletos. A fantasia continua sendo, mesmo no espírito festivo, um apetrecho para chocar os demais. Destaca-se mais quem surpreender na criatividade ou no grotesco, assim como o piercing, que na amplidão de um céu da boca é mais ‘irado’ que na planície de uma sobrancelha.

E se fosse Stálin?

Toda essa prévia (não necessariamente carnavalesca) é para registrar minha impressão sobre a festinha a que o príncipe Harry, da Inglaterra, foi fantasiado de milico nazista. A criatividade do galeguinho gerou sensacionalismo na já sensacionalista imprensa britânica, que tascou em garrafais um escândalo instalado no reino.

Bobagem. A vida nas ruas da Inglaterra segue normal, diferente das redações do mundo onde a militância judaica ainda exerce influência e fascínio. Vestir-se de soldado nazista é apenas se vestir de soldado nazista. Fantasia de um jovem inglês, que não tem culpa do sangue azul, que passaria despercebido se fosse alguma celebridade numa festinha qualquer. Fantasia de nazista não tem nada de pregação ideológica ao ditador alemão que perseguiu judeus. E se o filho de Diana estivesse vestido de papa Gregório 9, o representante da igreja católica que editou as bulas que iniciaram a Inquisição, período em que em nome de deus se perseguiu, torturou e matou inocentes com a mesma sanha sanguinária de Hitler diante dos judeus?

O que diriam os tablóides ingleses e a mídia judaica ou de esquerda se Harry e seus amigos se fantasiassem de Stálin, o ditador voraz que ceifou milhões de vidas na União Soviética num dos mais terríveis holocaustos que ficou conhecido como ‘expurgos de Moscou’? Como editariam suas manchetes a mídia judaica ou de direita se o pequeno príncipe usasse roupas do presidente americano Lyndon Johnson, aquele que atirou napalm na pele de crianças vietnamitas, ou se vestisse as fardas do chileno Augusto Pinochet, responsável pelo massacre que assassinou centenas no estádio de futebol de Santiago?

Eu e Lula

Harry não vai pedir desculpas, como pressiona a mídia, criando a ilusão de que o povo inglês e do mundo também assim exige. Ninguém deve pedir desculpas por se fantasiar num acontecimento de cunho apenas lúdico e festivo. O carnaval no mundo todo incentiva novas fantasias de monstros políticos como Hitler e nem por isso se faz tanto estardalhaço. As máscaras de Osama bin Laden vendem aos montes, as de Saddam Hussein também, as de George W. Bush idem, três figuras que nos últimos 10 anos tiraram a vida de milhares de inocentes. Já vi honoráveis senhores católicos vestidos de diabo em festa a fantasia, digníssimas senhoras ostentando máscaras terríveis, tudo dentro da etiqueta pagã da folia.

Não sei qual será a reação de alguns amigos, mas penso seriamente em criar algumas fantasias para o desfile do Burro Elétrico no carnaval de Pirangi, no animado litoral potiguar. Mandei costurar cinco máscaras e roupas diferentes em homenagem a violentas personagens da história. Uma de Fidel Castro (há quem ache linda e pura); outra de Menahem Begin, o líder israelense que massacrou centenas de mulheres e crianças palestinas na aldeia de Deir Yassin em 1948; uma outra do seu patrício Ariel Sharon, o fascista que vez por outra quer encobrir a violência do seu governo; uma máscara também para Yasser Arafat, o líder palestino que criou em 1959 a organização terrorista Fatah para matar israelenses; e por último uma máscara do Duque de Caxias, o herói brasileiro que comandou a matança de paraguaios nos anos 60 do século 19.

Caso não vendam nenhuma delas, deixarei guardadas junto a outras de facínoras iguais a Hitler para negociar em outras ocasiões, quem sabe numa ópera bufa das Nações Unidas em defesa dos povos africanos que até hoje não encontraram, como judeus e outros, uma mídia sempre atenta a transformar uma brincadeira juvenil num ato de terror internacional. Sou mais eu e Lula, que já vestimos o boné do MST e nem por isso significa uma defesa da invasão das terras alheias. Pelo menos no meu caso, eu garanto.

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Jornalista em Natal, sócio-diretor do Sanatório da Imprensa (www.sanatoriodaimprensa.com.br)